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ARTIGO
Ou se restabelece a moralidade ou...
LUIZ PINGUELLI ROSA
Existe num país mulato chamado Brasil uma empresinha chamada Vale do Rio Doce, que terá que
ser vendida, rapidinho e barato,
por ordem dada, via Internet, pelo
rei branco de todos os países mulatos globalizados, que vive num
castelo branco, cheio de bombas
nucleares, muito ao norte, onde
cai neve, branquinha, no inverno.
Por ter criticado essa venda
apressada, um dos mais sérios bispos brasileiros foi xingado por um
amigo do vice-rei, que, segundo
saiu na imprensa, fez o papel de
bobo da corte.
A empresinha tem apenas 54
empresas controladas por ela,
dentre as quais 5 das 10 maiores
exportadoras do país, lidera o comércio mundial de minério de ferro, é o maior produtor de alumínio e ouro da América Latina.
Tem áreas que somam quatro
vezes o Estado do Rio de Janeiro,
mais que vários países europeus,
com rios, florestas, parte da Amazônia, terras indígenas.
Tem reservas de minérios, em
toneladas: de ferro, 41 bilhões; de
cobre, 994 milhões; de bauxita,
678 milhões; de manganês, 72 milhões; de níquel, 70 milhões; de
zinco, 9 milhões; de urânio, 1,8
milhão; de titânio, 1 milhão; de
tungstênio, 510 mil; de nióbio, 60
mil; de ouro, 56,3.
Fora isso, produz papel de celulose, aço, tem ferrovias, navios,
portos, desenvolve tecnologia. Sua
receita bruta é cerca de US$ 5,5 bilhões. Investe 8% de seu lucro em
programas regionais de cunho social. Tudo isso será vendido apenas por um mês de juros da dívida
interna. Foi só isso que levou alguns membros da corte a se descabelarem, xingando gente séria.
O presidente do BNDES fez considerações pouco inteligentes sobre o relatório do Grupo de Assessoramento Técnico (GAT) da Comissão Externa da Câmara dos
Deputados encarregada de examinar a venda da Vale.
O documento distribuído por ele
incorre em erros de natureza científica e revela falta de informação
sobre o setor mineral. Reconhece a
existência de urânio em Carajás,
apontada pelo relatório, fato até
então omitido.
Ao afirmar que "nem toda ocorrência de urânio pertence à
União" entra em choque com a
Constituição. Além do urânio, foram omitidos ouro e cobre descobertos em Carajás. Nada havia
também no "data room" do
BNDES sobre titânio. A alegação
em contrário é inverídica. O anexo
do relatório da MRDI (Mineral
Resources Development Inc.), citado pelo BNDES, foi colocado no
arquivo posteriormente.
O presidente do BNDES se equivocou completamente ao criticar o
GAT por ter corretamente apontado enorme diferença na avaliação
dos recursos e reservas da Vale. O
GAT toma valores baixos para reservas "in situ" (no subsolo), que
o presidente do BNDES confunde
com o valor "minegate", cometendo um erro de 1 para 80.
As diferenças na avaliação pelo
consórcio liderado pela Merrill
Lynch foram sempre para menos,
contra os interesses da União.
Imensa parte dos minérios está
sendo presenteada, pois a Merrill
Lynch considera tudo que será explorado após 30 anos com valor
zero, pelo fluxo de caixa descontado, e a Vale tem minérios para
bem mais de cem anos.
O BNDES diz que, "no caso do
modelo de venda, estas reservas e
recursos que subsistem para além
do fluxo de caixa projetados e ainda as demais descobertas posteriores serão remuneradas através de
dois mecanismos distintos, debêntures e contrato de risco".
Por esta assertiva, estaria incluído o minério de ferro. Houve, portanto, um engano do BNDES, pois
as reservas de minério de ferro estão, segundo o próprio BNDES,
fora das "salvaguardas" criadas
para tratar de descobertas futuras.
Sobre o alumínio, o BNDES tenta amenizar a sugestão da Merrill
Lynch de desativar a unidade da
Alunorte, dizendo que isso não
ocorrerá "caso seja efetivamente
estratégico". O empreendimento
é estratégico ou não é?
O documento do BNDES diz que
o ouro está contemplado "pelos
contratos de risco e acessoriamente pelos debêntures participativas". Esta afirmação não corresponde à realidade, por duas razões
básicas.
Contratos de risco não salvaguardam os direitos minerários
dos atuais acionistas, seja a União
ou não. O mineral retirado do subsolo, que já é do atual acionista,
voltará para suas mãos dividido
em partes iguais com seu novo
parceiro.
O debênture participativa é,
também, um mecanismo artificial.
A garantia oferecida é a de um percentual sobre um valor presumível
que poderá ou não vir a ser realizado. Depende do comprador investir ou não naquele negócio e o prazo de validade do papel não estar
previamente fixado.
Trata-se de uma simples promessa de remuneração sobre um
direito já existente. Lembra os recibos de "barrancos" que eram
dados como garantia a incautos no
garimpo de Serra Pelada.
As divergências que apontamos
com dados técnicos não foram refutadas, sendo recomendável que
o governo suste o leilão para esclarecer a denúncia da Comissão Externa, reconhecida como verdadeira pela resposta do BNDES, de
que a Merrill Lynch, contratada
pelo BNDES para modelar e coordenar a venda, tem ligação comercial, por intermédio da SBH, com
a Anglo American, uma compradora potencial.
Em vez de apurar isso, a direção
do BNDES defende a Merrill
Lynch usando instruções vindas
de Nova York e passadas em inglês
por um fax pessoal na véspera da
coletiva do presidente do banco.
Por falarem esta verdade, ele
ameaça processar membros do
GAT, em vez de processar a Merrill Lynch.
Acredito que mesmo as pessoas a
favor de privatizar a Vale não podem concordar com este processo
de venda, denunciado pelos presidentes e dirigentes de OAB, ABI,
SBPC, CNBB, IAB e Clube de Engenharia, em recente reunião no
Rio.
Agora o BNDES quer estender o
privilégio de participar da compra
ao Bradesco, que também participou da avaliação. Antes não podia,
era errado. Não é mais? Como diria um carioca bem-humorado,
Sergio Porto, ou se restabelece a
moralidade ou se locupletarão todos eles: Merrill Lynch, Anglo
American e Bradesco.
Luiz Pinguelli Rosa, 50, físico, é professor titular e diretor da Coordenação dos Programas de
Pós-Graduação em Engenharia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e presidente
da Associação Latino-Americana de Planejamento Energético.
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