São Paulo, sábado, 14 de abril de 2001

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LUÍS NASSIF

Os direitos dos pacientes

A cena não sai da memória dos membros da família que dela participaram, em um dia qualquer de 1987. Meu pai tinha sofrido um segundo derrame e fora encaminhado à Beneficência Portuguesa de São Paulo. Lá, foi atendido por um clínico-geral à antiga -dedicado, atencioso- que chamou, para auxiliá-lo, um neurologista.
Com as radiografias do cérebro na mão, ambos me chamaram -na condição de primogênito- e informaram que se acabara: o cérebro de meu pai tinha sido totalmente afetado. Incontinênti, pedi que não prolongassem sua vida, porque acabaria levando junto minha mãe, de saúde frágil, com duas operações de ponte de safena. Conversei com minha mãe, expondo a questão, mostrando que meu pai não mais existia.
Em um momento de crise dele, o neurologista encaminhou-o à UTI. A família insistiu que não prolongasse inutilmente sua vida, mas como se reage em um momento desses? Meu pai foi internado, passou um mês, depois voltou para casa, em estado vegetativo. O neurologista, ambicioso, argentário -pelas conversas ocasionais durante a internação do velho- cobrou 30 dias de atendimento. O custo maior não foi esse. O coração de meu pai levou oito meses para deixar de bater e, a cada dia que passava, consumia as derradeiras energias de minha mãe. Ela morreu menos de um ano após sua morte.
Essa onipotência e essa ambição, que beiram a selvageria, começam finalmente a ser podadas pelo próprio meio médico. O código de conduta "Direitos do Paciente", recém-aprovado pelo Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ, é um documento histórico para todos os que sofreram o que minha família sofreu e merece ser estendido a todo complexo hospitalar brasileiro.
Entre outros pontos, define como direitos do paciente:
1)obter tratamento digno, atencioso e respeitoso, sendo tratado e identificado por seu nome e sobrenome, não por números ou códigos nem de modo genérico desrespeitoso;
2)ter guardados sob sigilo seus dados pessoais, desde que isso não acarrete riscos a terceiros ou à saúde pública;
3)poder identificar as pessoas responsáveis direta ou indiretamente por sua assistência por meio de crachás visíveis e legíveis;
4)receber informações claras, objetivas e compreensíveis sobre hipóteses de diagnóstico, finalidade dos materiais coletados para exames, diagnósticos confirmados, ações terapêuticas, riscos, benefícios e inconvenientes provenientes dos exames diagnósticos e das terapias propostas;
5)ser consultado quando houver necessidade de escolha entre duas ou mais condutas terapêuticas;
6)consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada informação, procedimentos cirúrgicos, diagnósticos e/ou terapêuticos a que será submetido, para os quais deverá conceder autorização por escrito por meio de um termo de consentimento;
7)ter anotado em seu prontuário, principalmente se inconsciente durante o atendimento, todas as medicações utilizadas, com as respectivas dosagens e a quantidade de sangue recebido, além dos dados que permitam identificar a sua origem, as sorologias efetuadas e os prazos de validade;
8)quando esgotadas as possibilidades do hospital de oferecer tratamento curativo e respeitadas as responsabilidades do hospital com relação à coletividade, recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida e optar pelo local em que o paciente, ou sua família, no seu impedimento, prefira que se dê o óbito.


Internet: www.dinheirovivo.com.br
E-mail - lnassif@uol.com.br


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