São Paulo, domingo, 14 de maio de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TRABALHO

Acusação é feita por sindicalistas de várias centrais; para ministério, quem reclama teme perda de receita de imposto

Governo favorece sindicato em troca de apoio

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI

DA REPORTAGEM LOCAL

Sindicalistas ligados a diversas centrais sindicais acusam o Ministério do Trabalho de conceder registros a sindicatos em troca de apoio político ao governo Lula, principalmente neste ano de eleições em que ter influência sobre os trabalhadores vale votos.
Afirmam ainda que têm de recorrer à Justiça para impedir que o ministério libere a criação de mais de um sindicato de trabalhadores em uma mesma região, desrespeitando a Constituição, que estabelece a unicidade sindical. Nos últimos três anos, o ministério concedeu registro para 762 entidades sindicais no país -o número não inclui os que foram abertos por ordem da Justiça.
Mais: revelam haver uma indústria para montar sindicatos em busca do imposto compulsório arrecadado do salário dos trabalhadores com carteira assinada.
No ano passado, o imposto sindical somou quase R$ 1 bilhão. Desse valor, 60% ficam com os sindicatos, 15% com as federações estaduais, 5% com as confederações e 20% com o governo.
O Ministério do Trabalho informa que as reclamações partem de sindicalistas insatisfeitos com o desmembramento de seus sindicatos e que a pressão faz parte de um jogo de interesses dos que não conseguiram evitar a divisão de suas bases -e a perda de receita.
"Se não tiver influência, não tem registro para sindicato. A Força tem dificuldades para abrir sindicatos. Criamos o sindicato dos trabalhadores em concessionárias de estradas e em refeições rápidas e não conseguimos o registro. Se fôssemos afinados com o PT, ia sair", diz Paulo Pereira da Silva, presidente da Força.
A situação se repete, segundo 25 sindicalistas e advogados da área trabalhista consultados pela Folha, com sindicatos de trabalhadores das áreas de construção civil, transporte, têxtil, saúde, comércio, publicidade, lavanderias e diversões. Vários sindicalistas preferem não se identificar.

"Cartucho"
"É no mínimo estranho o Ministério do Trabalho liberar registro para o Sindibin [Sindicato dos Empregados de Bingos do Estado de São Paulo], a partir de processo que estava arquivado e impugnado por 14 entidades desde 95", diz Elisson Zapparoli, presidente do Sindiversões (Sindicato dos Empregados em Casas de Diversões de São Paulo e Região), que nasceu nos anos 60. "Conseguiram porque têm "cartucho" [recurso para obter algo] com o governo."
Zapparoli afirma que, desde 2004, representa também os trabalhadores em casas de bingo -atividade que funciona sem amparo legal no Brasil- porque fez uma alteração em seu estatuto.
Ao saber que o Sindibin tinha autorização na mesma região, Zapparoli entrou com mandado de segurança contra o ato do ministério e obteve liminar para suspender o registro do concorrente.
"Travamos uma batalha na Justiça com o Sindiversões. Cumprimos uma série de exigências para ter o registro. O que eles querem é manter a arrecadação do imposto sindical", diz Nelson Gomes Ferreira, vice-presidente do Sindibin.
"O meu sindicato é vítima da troca de influência no ministério", diz Almir Macedo Pereira, presidente do sindicato que reúne os condutores em transporte rodoviário de cargas próprias de São Paulo. O sindicato migrou da Força Sindical para a CUT.
Pereira informa que já deixou de ser "cutista" porque o ministério reconheceu o registro de sindicato (o dos Trabalhadores nas Empresas de Ônibus Rodoviários Internacionais, Interestaduais, Intermunicipais e de Setor Diferenciado), por motivos políticos, que concorre com sua base e teria sido criado por dirigentes ligados à CUT. "A certidão sindical deles diz que representam motoristas da indústria e do comércio de São Paulo. Nós também."
O advogado Arnaldo Donizete Dantas, que representa o sindicato dos motoristas do setor diferenciado, diz não haver conflito de representação entre os sindicatos porque as categorias profissionais foram "desmembradas".
"Não houve influência política na concessão do registro sindical. A representação foi dada pelos trabalhadores que buscaram o sindicato em assembléias representativas", afirma Dantas. "Os dois sindicatos surgiram de desmembramentos do Sindicato dos Motoristas de São Paulo. Eles representam os motoristas do comércio, mas só nas empresas de concretagem e terraplanagem. No nosso caso, são os motoristas de prestadoras de serviços."
Para o advogado trabalhista João José Sady, "o trânsito na copa e na cozinha é mais fácil para quem é cutista". Ele diz que a CUT tem hoje o mesmo privilégio que a Força teve no governo FHC.

"Estrutura arcaica"
A disputa entre sindicatos -e que envolve o ministério- começou a partir da Constituição de 1988, que definiu que o Estado não deve interferir na organização sindical, na avaliação de Sady.
"Passou a ser permitido fundar sindicatos novos sem autorização do Estado, criar sindicatos onde antes era proibido, bem como desmembrar sindicatos por categoria ou por cidade, sem autorização do Estado e independentemente da concordância do sindicato desmembrado. Isso gerou um furioso processo de criação de novas entidades."
O advogado informa que essa situação se agravou em 2004, com o decreto nš 5.063, que determina que os pedidos de impugnação aos pedidos de registro sindical fossem decididos pelo próprio secretário de Relações do Trabalho.
A "bagunça" no setor, segundo João Felício, presidente da CUT, é reflexo da estrutura arcaica. "O sindicato perde eleição e cria outro com outro nome para garantir o imposto [sindical]."


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: "Assessor de 28 sindicatos" tenta registro próprio
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.