São Paulo, sexta-feira, 14 de maio de 2010

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Pacote fiscal português inclui "imposto da crise"

Além do corte de gastos públicos, trabalhadores e empresas terão de pagar mais IR; esforço é "indispensável", diz primeiro-ministro

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

Não adiantou muito o papa Bento 16 dizer ontem, no santuário português de Fátima, que ali estava para "rezar, com Maria e tantos peregrinos, pela nossa humanidade acabrunhada por misérias e sofrimentos".
A 135 quilômetros dali, na capital Lisboa, o governo português desconsiderava a oração do papa e anunciava sofrimentos para a sociedade, na forma de corte de gastos públicos e aumento de impostos.
Mas, em relação a outros países, há uma novidade: empresas, bancos e investimentos de capital pagarão a sua cota.
"É um esforço absolutamente indispensável", justificou-se o primeiro-ministro socialista José Sócrates. Afinal, Portugal está de fato acabrunhado por um formidável deficit público de 9,4% do PIB (Produto Interno Bruto, medida da produção econômica de um país).
Sócrates já havia lançado anteriormente o seu PEC (Pacto de Estabilidade e Crescimento), que previa reduzir o deficit para 8,3%. Com as novas medidas, a expectativa é que o buraco caia para 7,3% neste ano e para 4,6% em 2011.
Há diferenças importantes entre o pacote português e os que estão sendo adotados em outros países europeus.
Em Portugal, o ajuste se fará metade a metade: o aumento de impostos representará uma arrecadação extra de 1 bilhão (R$ 2,22 bilhões); o corte de gastos será de 1,1 bilhão.
Nos outros países, tem havido mais corte de gastos do que aumento de impostos.
Além disso, Portugal passa a fatura do ajuste também aos setores mais fortes economicamente, e não apenas ao funcionalismo público. Haverá aumento de 1% no Imposto de Renda para quem ganha até 2.375 (R$ 5.285) e de 1,5% para quem recebe mais.
As empresas terão uma tributação autônoma de 2,5% para as maiores, sobretudo instituições financeiras.
Também sobe o imposto sobre capital e para os dividendos (1,5% para os juros recebidos por depósitos a prazo). É o que o jornal "Financial Times" chamou de "imposto da crise".
O fantasma da Grécia também sobrevoou Lisboa, mas o ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, afastou a hipótese de violência nas ruas. "Haverá tensões sociais, mas temos de avançar com esse plano", disse à agência Bloomberg.
Na Espanha, a tensão social que já se previa anteontem, no lançamento do pacote de ajuste, tomou forma concreta ontem: a Federação dos Serviços Públicos da União Geral de Trabalhadores convocou greve geral do setor púbico para o dia 2 de junho.
A UGT sempre foi próxima dos socialistas, que governam atualmente a Espanha.
Não obstante, seu braço para o setor público classificou de "agressão sem precedentes" o pacote anunciado na terça-feira, que prevê, entre outros pontos, corte de 5% nos salários dos funcionários.
Em Portugal, o corte, também de 5%, será apenas nos soldos dos funcionários políticos e dos gestores de empresas públicas.

Reino Unido
A moda do corte de salários de ministros pegou: o primeiro ato anunciado por David Cameron, 48 horas depois de assumir o cargo de premiê britânico, foi justamente a redução, também de 5%, nos salários de seus ministros.
Mas Cameron foi além: os salários ficarão congelados por cinco anos. É o tempo que, em tese, durará o seu governo de coligação com os liberais.
De todo modo, o correto seria dizer que os socialistas Zapatero e Sócrates é que copiaram o conservador Cameron: o corte de salários era promessa de campanha dos conservadores.
Zapatero, ao contrário, tinha até acertado um aumento, antes que a pressão dos mercados impusesse o pacote. É parte do que o "Le Monde" ironizou como "Tour d'Europe des plans de rigueur" (a "Volta da Europa" dos planos de austeridade).


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