São Paulo, sexta-feira, 14 de junho de 2002

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Romper com modelo é a saída, diz economista

DA SUCURSAL DO RIO

Enquanto não houver uma ruptura com o atual modelo, não será possível reativar a economia. Essa é a opinião de José Carlos Miranda, coordenador de macroeconomia do Instituto de Economia da UFRJ e co-autor do livro "Estados e Moedas no Desenvolvimento das Nações" (Ed. Vozes, 1999).
"Esse modelo não permite saída. Ou você rompe com ele ou estaremos fadados, de tempos em tempos, a tomar um tranco do mercado. Isso não significaria dar um calote. A primeira providência é tirar as amarras para o crescimento", disse Miranda à Folha. A seguir, trechos da entrevista.
(RICARDO REGO MONTEIRO)
 

Folha - Em meio à turbulência financeira, o lado real da economia parece esquecido. A produção e o emprego estão fadados a permanecer à mercê dos mercados?
José Carlos Miranda -
O modelo dos últimos oito anos deteriorou o lado real e os fundamentos macroeconômicos. Por mais que os mercados sejam especulativos, irracionais, especulam em cima de uma realidade concreta. O país não consegue produzir um superávit adequado da balança comercial; tem um déficit estrutural na conta de renda e de transações correntes porque privatizaram empresas que remetem lucro, mas não têm receita em dólar, por serem não-exportadoras; o BC mantém uma taxa de juros exorbitante, o que aumenta o estoque de dívida pública em poder do público, e erra na gestão das LFTs.
A maior parte da expansão da dívida, de 94 para cá, é explicada pela política de juros e pela necessidade de esterilizar a contrapartida em real da entrada de dólares necessários para financiar o déficit em transações correntes e da balança de pagamentos. O modelo propicia falta de credibilidade.

Folha - Parece que os mercados reagiram bem às medidas do governo. Isso vai se manter?
Miranda -
A situação, embora mais grave, é parecida com a de 98, quando disseram que o modelo era seguro e que não iria mudar. Após a reeleição, mudou-se tudo e viu-se a fragilidade do modelo; 99 foi um ano terrível. Mas não ajustaram como deviam.

Folha - Como fazer para a economia real voltar a reagir?
Miranda -
Aumentando o superávit primário para pagar juro da dívida interna é que não será possível crescer. Mantendo os juros como estão, justificando-se com a meta inflacionária, quando todos os índices de preços estão caindo, é que não vai ser. Enquanto não derem a chance de os empresários produzirem, não será possível retomar o crescimento.

Folha - O que seria preciso fazer para voltar a crescer?
Miranda -
Está claro que os juros altos não são para controlar a inflação. São para financiar o déficit e o balanço de pagamentos, atrair capital quando existe uma enorme desconfiança quanto à possibilidade de esse governo rolar a dívida interna.

Folha - Como sair disso?
Miranda -
Esse modelo não permite saída. Ou você rompe com ele ou estaremos fadados, de tempos em tempos, a tomar um tranco do mercado. Isso não significa dar um calote, mas começar a fazer política industrial, porque há vários produtos, insumos e componentes que podem ser produzidos no Brasil. A primeira providência é tirar as amarras para o crescimento. Fazer alguma engenharia financeira que propicie financiamento mais barato da produção e do investimento.
É preciso diminuir o desemprego para ter aumento da arrecadação. Com o aumento da arrecadação, você pode gastar mais. Não é que não tenha que ter superávits. Tem que ter equilíbrio, mas manter equilíbrio significa alongar o perfil da dívida. Alongar o perfil não é dar o calote, mas há de convir que uma herança de oito anos não será desamarrada em dois meses. É preciso minimizar as turbulências da travessia, o que demanda acordos políticos, e não técnicas de economistas. Um bom começo seria colocar um político no Ministério da Fazenda.



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