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São Paulo, sábado, 14 de junho de 2003

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ARTIGO

Juros deixam Greenspan na corda bamba

DAVID LEONHARDT
DO "THE NEW YORK TIMES"

Ao sinalizar que está preparado para cortar as taxas de juros uma vez mais, Alan Greenspan adentrou o que muitos analistas encaram como território perigoso, em uma das batalhas mais difíceis que ele já teve de enfrentar como presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos).
Greenspan usou seu poder retórico nas últimas semanas com o máximo de efeito, dizendo que estava inclinado a fazer um "seguro" contra uma nova queda na atividade econômica e contra a perspectiva de uma queda sustentada nos preços, conhecida como deflação. Essa dica de um novo corte na taxa de juros de curto prazo controlada pelo Fed ajudou a derrubar os juros de longo prazo nos mercados financeiros e reduziu o custo de aquisição de casas, equipamentos industriais e muitos dos outros propulsores do crescimento econômico.
Antes que o mês acabe, no entanto, Greenspan se verá forçado a avançar das palavras para os atos, e fazê-lo implicará que enfrente um dilema.
Caso o Fed reduza as taxas de juros de curto prazo -será o 13º corte desde o começo de 2001-, elas cairão ao nível mais baixo já registrado depois dos anos 50. Os juros estariam, então, bem perto do ponto em que o setor do mercado monetário, responsável por um giro de investimentos de US$ 1 trilhão, praticamente não teria espaço para obter lucros, o que poderia perturbar os mercados financeiros e dificultar a captação de recursos para algumas empresas.
Mas se o Fed optar por manter a taxa atual, estará fazendo aquilo que Greenspan sempre se esforçou arduamente por evitar: surpreenderá o mercado. As taxas de juros hipotecários, e outras, provavelmente disparariam, e com o Banco Central Europeu (BCE) tendo cortado em meio ponto percentual sua taxa de juros na quinta-feira da semana passada, a taxa de câmbio entre o dólar e o euro poderia se recuperar, até certo ponto, o que prejudicaria os industriais norte-americanos que competem por mercados com empresas internacionais.
Essa escolha desconfortável tem de ser feita por Greenspan em meio a uma desaceleração econômica que já dura mais de dois anos e o surpreendeu com sua persistência. O Departamento do Trabalho norte-americano anunciou na sexta-feira da semana passada que o desemprego chegou a 6,1% em maio, seu ponto mais alto em nove anos, e que a economia estava afundada em seu mais longo período sustentado de ausência de crescimento no nível de emprego dos últimos 60 anos.
Embora alguns membros do comitê que determina as taxas de juros no Fed tenham argumentado nos últimos meses em defesa de um novo corte nos juros, Greenspan vinha mantendo o otimismo e enfatizando a força subjacente da economia, particularmente o rápido crescimento na produtividade, causado em larga medida pela adoção de novas tecnologias. Com as taxas de juros perto do zero, os economistas dizem que é possível que Greenspan em breve tenha sua confiança justificada, o que garantiria sua reputação, no passado considerada inabalável, como um dos melhores dirigentes de banco central da história.
Os atuais problemas encontrados para tirar a economia de sua letargia podem ser a última tarefa de Greenspan. Tendo completado 77 anos em 6 de março, ele já é o mais velho dos presidentes do Fed. A lei requer que ele deixe o comando do banco central norte-americano no máximo no começo de 2006, mais de dois anos antes do fim formal de seu quinto mandato como presidente, porque naquela data expira seu mandato de 14 anos como membro do conselho do banco central.
Não existe reeleição para os membros do conselho, se bem que lhes seja permitido manter suas cadeiras interinamente até que um sucessor seja nomeado. Greenspan assumiu o posto de presidente em 1987, e concluiu o mandato de 14 anos de Paul Volcker, seu predecessor no comando do Fed, antes de iniciar o seu.
A taxa de referência de 1,25% dos Fed para os juros de curto prazo deixa pouco espaço para que as empresas de serviços financeiros obtenham lucros com investimentos no mercado monetário. Se houver um corte de 0,75%, a taxa de juros básica de meio ponto percentual colocaria a maior parte dos fundos nessa situação, e algumas empresas provavelmente abandonariam suas transações no setor.
"Se elas quiserem permanecer no jogo, terão de abrir mão de parte de suas receitas, e isso vai doer", disse David L. Murphy, que supervisiona os fundos de mercado monetário administrados pela Fidelity Investments.
No momento, os fundos de mercado monetário detêm mais de US$ 1 trilhão em poupança nos Estados Unidos, contra quase zero na metade dos anos 70, e uma boa proporção desse dinheiro se filtra até o mercado de commercial papers e chega às empresas, que o usam para investimento.
Se os fundos começarem a fechar as portas ou começarem a cobrar honorários, fazendo com que os investidores transfiram seu dinheiro para contas bancárias, os bancos talvez não se disponham a arcar com todo o risco que um mercado mais amplo agora aceita, dizem os economistas.
Os funcionários do Fed dizem que não estão preocupados. Mesmo que os fundos do mercado monetário desapareçam, "haverá muitas opções que oferecem risco muito baixo", garantindo que não falte dinheiro para os investimentos, disse Arthur J. Rolnick, diretor de pesquisa do Federal Reserve de Minneapolis.
Os dirigentes do Fed acrescentam que reduzir a taxa básica de juros não é sua única opção para combater os problemas da economia. Se ela chegar a zero e surgir risco de deflação, eles poderiam, por exemplo, tomar medidas concretas para a redução das taxas de juros de prazo mais longo. Antes do final do mês, Greenspan escolherá que conjunto de consequências prefere.


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