São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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ANÁLISE

Telhado de vidro compromete liderança de Bush

DO "FINANCIAL TIMES"

Foi uma má semana para o presidente dos Estados Unidos. George W. Bush começou a semana tentando tomar a liderança na batalha contra o crime corporativo e escorar a confiança do público nos mercados e a encerrou tendo fracassado em ambos os objetivos. As atenções se voltaram ao seus antecedentes no mundo dos negócios e ao de pessoas que ele apontou para altos cargos na administração pública.
O ponto alto da semana do presidente deveria ter sido o discurso que ele fez em Nova York, na terça-feira, sobre as responsabilidades das corporações.
Bush havia compreendido que confiar apenas na Securities and Exchange Commission (SEC, a agência que fiscaliza e regulamenta os mercados de valores mobiliários) para reformar o sistema financeiro deu brecha para que outros tomassem a iniciativa de defender a moralização no setor, em especial os democratas, que controlam o Senado. Ao mesmo tempo, o constante gotejar de novos escândalos, desde o colapso da energética Enron no ano passado, solapou a confiança dos investidores e conduziu o mercado a novos recordes de baixa.
O presidente queria transmitir duas mensagens. Primeiro, que o capitalismo dos EUA continua fundamentalmente sólido. A economia dos EUA é o sistema mais criativo, empreendedor e produtivo já desenvolvido. Segundo, que o governo não pouparia esforços para combater a corrupção. Bush definiu um plano de dez pontos, incluindo uma equipe de combate ao crime financeiro, sentenças mais severas e apreensão dos lucros ganhos com fraudes.

Embaraço
Mas essas mensagens terminaram soterradas por outras questões, como ficou claro em uma entrevista na Casa Branca no dia anterior ao discurso feito em Wall Street. Ela foi dominada por questões sobre as ações de Bush nos anos 80, quando ele era diretor da Harken Energy, um grupo petroleiro do Texas. Bush foi inocentado pela SEC de qualquer delito relacionado ao uso de informações privilegiadas para benefício próprio, mas as respostas dele não conseguiram desviar as acusações democratas de duplicidade.
As acusações se intensificaram mais tarde, quando a Casa Branca confirmou que Bush havia recebido empréstimos da empresa para adquirir ações, uma prática que ele condenou em seu discurso.
Enquanto isso, descobriu-se que o vice-presidente, Dick Cheney, teria endossado a Andersen, a empresa de auditoria caída em desgraça devido ao caso Enron, durante seu período no comando da Halliburton, uma empresa de energia que está sendo investigada pela SEC por supostas fraudes contábeis.
Bush defendeu Cheney e outros de seus indicados cujas conexões com o mundo corporativo são motivo de embaraço, diferentemente de presidentes anteriores que rapidamente demitiram subordinados suspeitos. Isso forneceu aos democratas uma plataforma para tirar vantagem nas eleições legislativas deste ano.

Excessos regulatórios
Há dois perigos. O primeiro se relaciona ao crime corporativo. Surgiu o risco de regulamentação excessiva. Bush está preocupado, e com razão, em evitar que qualquer legislação que venha a ser aprovada algeme as forças criativas do capitalismo. Mas ele aceitou a necessidade de ação por parte do Congresso apenas recentemente, e as propostas que ele defende até agora não são rigorosas o suficiente. Enquanto hesitar, não será capaz de evitar os aspectos prejudiciais do projeto de lei em discussão no Senado.
O segundo perigo concerne o futuro do governo. Um líder que parecia invulnerável desde o ataques de 11 de setembro tem agora um flanco aberto aos ataques. Sua popularidade continua elevada, mas o sucesso que obteve em sua agenda doméstica é limitado. Os números divulgados na sexta-feira pela Universidade de Michigan demonstram que a confiança dos consumidores está despencando e que a preocupação com as fraudes é o cerne do problema.
Bush certamente não sofre ameaça de investigação pessoal da espécie que perturbou a Presidência de seu antecessor. Mas as perspectivas de seu partido para as eleições legislativas de novembro pioraram.

Liderança em xeque
Isso poderia ter consequências importantes para a próxima fase da guerra contra o terrorismo. Bush está determinado a impor como objetivo seguinte à queda do Taleban uma mudança de regime no Iraque. Os estrategistas militares estão preparando planos para uma invasão em larga escala no começo do ano que vem para derrubar Saddam Hussein.
No entanto, as consequências econômicas da concentração militar que seria necessária na região podem ser imensas. Nos meses que antecederam a Guerra do Golfo, em 1991, os preços do petróleo subiram e um pequeno choque foi sentido em todo o mundo. Dado o momento muito menos robusto da economia mundial hoje, as consequências de uma alta semelhante no final deste ano poderiam ser muito mais graves.
Bush acredita que derrubar Hussein poderia fazer com que caiam outros dominós no Oriente Médio. Mas um presidente vulnerável na frente doméstica pode encontrar dificuldades para conceder prioridade à ação militar contra o Iraque. Se ele quiser levar adiante sua ambiciosa agenda internacional, precisa primeiro controlar a situação em casa.


Tradução de Paulo Migliacci

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