São Paulo, quarta-feira, 14 de julho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Elementos da agenda pós-recuperação

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Mesmo na hipótese da não-ocorrência de grandes distúrbios no plano internacional, não é fácil estimar o quanto pode crescer a economia brasileira nos próximos anos. E isso por pelo menos três razões.
Há cerca de um quarto de século que a economia brasileira se encontra: ou em recuperação, por vezes vigorosa; ou perdendo fôlego; ou até mesmo em retração, como no primeiro semestre do ano passado. Esse é, portanto, um daqueles casos em que a média -o mísero crescimento de cerca de 2% ao ano exibido (em média) nos últimos 25 anos- pouco representa.
Não faz sentido, tampouco, tomar o que ocorre nas fases de retomada como representativo da capacidade de crescer da economia. E isso porque, ainda quando recuperações vigorosas não deixem de ser sinais de vitalidade, o crescimento para valer supõe a criação e a utilização de capacidade produtiva adicional. Ora, nas retomadas, como se sabe, predomina a mera (re)utilização de capacidade previamente acumulada. Aliás, no último quarto de século, a indústria deste país só chegou a utilizar 90% da capacidade instalada na produção de bens intermediários (onde essa medição é razoavelmente confiável), na "festa da estabilização" que se seguiu ao lançamento do Plano Cruzado e na fase inicial do Plano Real.
Finalmente, é também difícil estimar o quanto esta economia pode crescer, porque desde 1999 nunca houve um momento de trégua suficientemente longo para que o seu potencial de expansão, em mais de um sentido renovado, fosse testado. Ou seja, admitindo que desde aquela data o quadro macroeconômico do país mudou (e continua mudando) para melhor e que a indústria brasileira mostrou-se capaz de sobreviver à abertura, fazendo dela uma arma para reequipar-se (o que, em regra, não ocorreu na América Latina), falta testar o potencial de crescimento de médio e longo prazo. Houve, de fato, apenas uma breve trégua, da segunda metade de 1999 ao início de 2001 -e é possível afirmar que a economia aproveitou-a bem, crescendo a um ritmo superior a 4% ao ano. Mas o colapso da economia argentina, a implosão da Bolsa norte-americana e a crise energética nacional impediram que a expansão durasse o suficiente para que o crescimento ultrapassasse a fase na qual predomina o aproveitamento de capacidade instalada.
As indeterminações que acabam de ser apontadas parecem sugerir que não faz muito sentido tentar precisar a que taxas pode crescer esta economia. A conclusão não deveria surpreender. Afinal, após um período excepcionalmente longo, pontilhado de crises, improvisos e transformações -e em meio a um mundo que também apresenta profundas e rápidas mudanças-, como se poderia determinar, a partir dos dados disponíveis (isto é, já revelados), o potencial de crescimento da economia?
O que, sim, parece plausível afirmar é que cabe aos poderes públicos o desenho de possíveis futuros, o apoio às empresas para que se animem (e efetivamente possam) a explorar o seu próprio potencial de expansão e, num outro plano, o empenho na renovação da infra-estrutura de serviços básicos. Esta, profundamente desajustada às novas circunstâncias, deveria passar a dar fôlego -ao invés de restringir, como no presente- às iniciativas das empresas.


Antonio Barros de Castro, 66, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.


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