|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Restrição externa e crescimento
ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA
Entre os aspectos de ordem conjuntural que pautam o debate
econômico atual, começa-se a esboçar uma discussão mais ampla
sobre as condições estruturais da
economia brasileira. A desvalorização do câmbio alterou positivamente a expectativa sobre o comportamento do nível de atividade
econômica. Há evidentes aspectos positivos no desempenho do
valor agregado local, seja por
substituição de importações ou
possibilidades de exportações.
A nova substituição de importações se dá, em um primeiro momento, em setores de tecnologia
tradicional e que foram fortemente afetados pela valorização cambial dos últimos anos. Nesse caso
se encaixam, entre outros, têxteis,
calçados e bens de consumo em
geral, setores em que já existem
uma base instalada, um relativo
domínio da tecnologia e economia de escala para atendimento
do mercado interno, além do externo.
Quanto às exportações, a questão é mais complexa. Em primeiro lugar, o aumento da disposição
de oferta por parte dos produtores brasileiros não significa, automaticamente, maior demanda
dos importadores no mercado internacional. Além disso, o baixo
crescimento do comércio mundial, a queda dos preços dos bens
transacionáveis, especialmente
commodities agrícolas, e o efeito
das desvalorizações dos asiáticos
(o que tem provocado quedas de
preços de mercado) implicam
que nem sempre maiores volumes de mercadorias exportadas
signifiquem mais receita.
Nos dois casos, tanto na substituição de importações quanto no
caso das exportações, a desvalorização cambial é uma condição
necessária, mas não suficiente,
para garantir o rompimento da
restrição externa decorrente dos
erros da política econômica dos
últimos anos -especialmente a
valorização do câmbio, a ausência
de uma política de desenvolvimento (entendida como a articulação de política industrial, comercial, ciência e tecnologia, educacional etc.) e os elevados juros.
Tudo isso determinou um processo de inserção passiva do Brasil no cenário internacional.
Além da estagnação da economia (que teve como consequências aumento da quebra de empresas, inadimplência elevada e
crescimento do desemprego), como efeito direto temos o déficit
em transações correntes, que no
acumulado dos últimos 12 meses
permanece em cerca de US$ 32 bilhões. E aí temos não só o efeito
do déficit na balança comercial
como também, e principalmente,
na dos serviços, com destaque para juros, remessa de lucros e dividendos das empresas transnacionais, conta de viagens internacionais e gastos com fretes e seguros.
O fato é que, em condições internas e externas diferentes, retomamos, neste final da década de
90, a restrição externa vivida pelo
Brasil no início dos anos 80, em
que o comportamento "stop and
go" da economia brasileira foi determinante para o resultado da
década perdida. O avanço do déficit em transações correntes nos
últimos quatro anos, de 0,3% do
PIB (Produto Interno Bruto) em
1994 para cerca de 4,5% do PIB
em 1998, retomou a questão justamente num momento em que os
efeitos das crises asiática e russa
tornavam o financiamento aos
países em desenvolvimento mais
seletivo.
Embora em 1999 deva ocorrer
uma diminuição substantiva do
déficit em transações correntes
-em números absolutos, para
algo entre US$ 22 bilhões e US$ 24
bilhões-, essa diminuição será
menor em termos relativos (de
4,5% para algo entre 3,5% e 4,0%
do PIB), já que este, expresso em
dólares, diminuirá substancialmente, pelo efeito da desvalorização cambial (de cerca de US$ 800
bilhões em 1998 para US$ 600 bilhões em 1999). A redução do déficit em transações correntes deste ano é fruto direto da desvalorização cambial e da retração de atividade, que diminuem a demanda por importações e, consequentemente, despesas com fretes e seguros e gastos de viagens internacionais.
A questão é que há um desequilíbrio estrutural da balança de serviços, decorrente principalmente
da conta de juros e de remessas de
lucros e dividendos. Para esse desequilíbrio ser compensado, dependemos fundamentalmente de
um superávit na balança comercial. Ou seja, para eliminar a restrição externa ao crescimento, é
fundamental que as exportações
cresçam acima das importações e
do nível de atividades.
Quanto à condução da política
econômica e às suas opções, a experiência destes últimos meses
trouxe-nos algumas lições importantes. Apesar de tardia e realizada de maneira atabalhoada, a desvalorização trouxe uma nova dinâmica para a economia brasileira e a oportunidade de uma virada na política econômica, de forma a compatibilizar estabilização
de preços com uma política de desenvolvimento.
Os fatos desfizeram os mitos de
que a política cambial era intocável e que a desvalorização traria a
completa desorganização da economia. A sustentação cada vez
mais difícil do câmbio valorizado
tornou-nos mais vulneráveis do
ponto de vista externo e implicou
rigidez das taxas de juros, o que
travou a atividade econômica e
desorganizou as contas públicas,
inviabilizando o Estado brasileiro.
Não é o caso de "chorar o leite
derramado", mas é de lamentar
que a mudança na política econômica tenha sido tratada como mito intocável durante tanto tempo.
Isso levou a custos econômicos e
sociais elevados, apesar das análises críticas de economistas e de
segmentos importantes da sociedade brasileira, sempre desqualificados pelos condutores da política econômica.
Antônio Corrêa de Lacerda, 42, economista, é presidente do Conselho Federal de Economia, professor da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e autor de "O
Impacto da Globalização na Economia Brasileira" (Contexto).
E-mail: lacerda@cofecon.org.br
Texto Anterior: "Reação dos mercados à crise da Argentina é muito exagerada" Próximo Texto: Economias mantêm diferenças, diz BCE Índice
|