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São Paulo, quinta-feira, 14 de agosto de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

A quinta-coluna

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Hoje eu preciso falar um pouco da quinta-coluna. A quinta-coluna, leitor, é uma grande realidade. A expressão remonta à Guerra Civil Espanhola. Em 1936, enquanto quatro colunas do general Franco marchavam sobre Madri, uma outra, a quinta, atuava dentro da cidade, preparando sub-repticiamente a traição.
Bem. A nossa quinta-coluna não fica atrás da original. Toda vez que se esboça uma reação nacional, lá vem ela, infalivelmente, espalhar as suas ameaças e intrigas e puxar o tapete dos brasileiros que contrariam os interesses estrangeiros. Todos aqueles que já fizeram, ou tentaram fazer, algo em prol do interesse nacional sabem que, frequentemente, é mais fácil lidar com os estrangeiros do que os seus inúmeros e influentes prepostos locais, sempre muito atuantes dentro e fora do governo.
Nos tempos recentes, porém, a quinta-coluna tem tido dificuldades inesperadas. Surgiu uma nova e importante variável: o "companheiro" Bush. O atual presidente dos EUA, como se sabe, é uma força em estado algo rudimentar. Não tem apreço por sutilezas e diplomacias. Não acredita em hipocrisias e prefere quase sempre a sinceridade brutal.
O antigo lema de política externa dos EUA, lançado pelo presidente Theodore Roosevelt há cerca de cem anos -"Speak softly and carry a big stick, you will go far"-, foi substituído por: "Speak loudly and carry a big stick" -uma variante bem menos eficaz, obviamente.
No que diz respeito às negociações da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), por exemplo, o Executivo e o Congresso dos EUA parecem constantemente empenhados em proporcionar argumentos adicionais aos críticos da integração hemisférica. Com o passar do tempo, torna-se mais e mais evidente que os EUA só se dispõem a aceitar uma negociação profundamente desequilibrada. Já deram indicações de sobra de que não pretendem fazer concessões importantes nos temas de interesse do Brasil.
Em Washington, prevalecem sem grandes disfarces o nacionalismo e o protecionismo. Foi-se o tempo em que um presidente carismático e habilidoso como Bill Clinton percorria o mundo discursando sobre os benefícios da "globalização" e da abertura dos mercados.
Nos primeiros movimentos da corrida presidencial de 2004, um aspecto tem chamado atenção: nem o presidente Bush nem os pré-candidatos democratas ousam levantar o tema do livre comércio. Todos registraram a lição das eleições congressuais de 2002: o protecionismo seletivo e cuidadosamente calibrado foi um sucesso político, que contribuiu de maneira importante para dar o controle das duas Casas do Congresso ao Partido Republicano.
Devo dizer, leitor, que em toda a minha vida nunca vi os partidários do alinhamento com os EUA tão desorientados. Em entrevista recente, um daqueles economistas brasileiros bastante festejados pelos norte-americanos, que ocupou importante cargo no governo Fernando Henrique Cardoso, criticou as barreiras comerciais impostas pelos EUA a produtos brasileiros. Disse que, em diversas conversas com lideranças do governo americano, sempre manifestou a sua indignação com o fato de que algumas vezes os americanos ou europeus nos dão rasteiras, fragilizando os argumentos de pessoas como ele e muitas do governo Lula, que querem construir uma sociedade aberta.
Realmente, não é fácil defender uma "sociedade aberta" quando os líderes políticos e intelectuais da liberalização se mostram cada vez menos dispostos a aplicá-la em casa. Nesse ponto, os americanos sempre operaram muito bem. Abriram as suas universidades a economistas e outros estudantes de países em desenvolvimento, que foram sistematicamente catequizados quanto às virtudes do livre comércio e do livre mercado.
No entanto quem conhece a política econômica dos EUA, assim como a dos demais países desenvolvidos, sabe que o liberalismo raramente foi aplicado a ferro e fogo. Todas as economias desenvolvidas são economias mistas em que o Estado desempenha importante papel. Nenhuma delas pratica o livre comércio.
No período Bush, essa assimetria entre doutrina e prática vem aparecendo de maneira muito mais clara e desabrida. Daí o silêncio constrangido a que se recolheram ultimamente os numerosos integrantes da quinta-coluna tupiniquim.
Mas uma coisa me preocupa: e se os eleitores americanos resolverem não reeleger o "companheiro" Bush em 2004?
Não façam isso, pelo amor de Deus!


Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net



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