São Paulo, sábado, 14 de agosto de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Capacidade para crescer

GESNER OLIVEIRA

O Natal de 2004 será o melhor desde 1994, ano do Plano Real. A atividade econômica ganhou ritmo nessa etapa fácil da recuperação com base na ocupação da capacidade produtiva instalada. Mas as condições para o crescimento sustentado ainda não foram criadas.
É possível que ontem, sexta-feira, 13 de agosto e ainda por cima Dia do Economista, houvesse algum agoureiro prevendo uma crise iminente. Mas as chances de um desempenho razoável da economia nos próximos 18 meses são boas. Os gargalos mais sérios vão aparecer a partir do último trimestre de 2005.
É prematuro o diagnóstico de que a utilização da capacidade já teria atingido nível elevado na maioria dos ramos industriais, caracterizando excesso de demanda generalizado.
Como de hábito, as médias enganam. É verdade que, na média, a utilização de capacidade na indústria aumentou. Chamou a atenção, em particular, o dado da Sondagem Conjuntural da Indústria de Transformação da Fundação Getúlio Vargas de 84,2% para o segundo trimestre do ano. Depurando o efeito sazonal, é o maior nível desde o primeiro trimestre de 1995.
No entanto, a situação varia muito entre os diferentes setores e mesmo dentro de cada segmento. O quadro nesta página dá uma idéia dessa heterogeneidade. Foram estudados 16 setores. Para cada um deles, comparou-se o nível atual de utilização da capacidade com o pico histórico. Este último nem sempre é a melhor referência, especialmente em casos em que sua ocorrência se deu há muito tempo, pois o avanço tecnológico permite com freqüência um melhor aproveitamento do parque instalado.
De qualquer modo, o exercício revela que, em metade dos casos escolhidos, o nível de utilização da capacidade não pode ser considerado alto. Há situações muito diferentes dentro de um mesmo setor. Por exemplo, dentro de material de transporte, o segmento de caminhões e ônibus registra baixo nível de utilização, em nítido contraste com aquilo que ocorre em acessórios para veículos.
A continuidade da recuperação causará, portanto, carências localizadas, mas não a ponto de gerar pressões inflacionárias generalizadas. Isso é tanto mais provável em um contexto de maior folga nos balanços comercial e de transações correntes, permitindo que as importações cresçam um pouco mais em 2005, induzidas pelo reaquecimento da atividade.
Apesar da melhora da economia em 2004, o grande desafio da retomada dos investimentos ainda não foi enfrentado. Isso seria necessário não apenas para aumentar a capacidade de produção em cada setor específico mas para atenuar a enorme deficiência da infra-estrutura do país, especialmente nos vários modais de transporte e portos de escoamento da produção.
Alerte-se de que uma reação excessivamente conservadora da política monetária, com a elevação dos juros neste momento, sob o pretexto de combater um suposto excesso de demanda, teria efeito particularmente nocivo. Isso porque o investimento seria ainda mais inibido, impedindo o necessário aumento da capacidade produtiva.
Não é hora de conter a demanda, mas de estimular a oferta. Isso pode ser feito mediante estímulos claros para o investimento e a criação de marcos regulatórios adequados para a infra-estrutura. Apenas nesse momento será possível sonhar com a medalha de ouro do crescimento sustentado.


Gesner Oliveira, 48, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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