São Paulo, quinta-feira, 14 de setembro de 2006

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BORIS TABACOF

A experiência holandesa com as tulipas


O real se transformou em objeto de desejo, assim como foi a tulipa, no século 17, que formou bolha que estourou

ADAM SMITH , considerado o pai do capitalismo, chamou de "animal spirit" o espírito de audácia, o gosto do risco de investir dos empresários. Acontece que o gosto de investir do empresário brasileiro, cujo "espírito animal" vem sendo conclamado recentemente, está encolhido pela incerteza, não aquela causada pelo risco intrínseco ao investimento, mas pela preferência que a política econômica em curso dá aos investimentos financeiros, ao câmbio e aos juros colocados como esteios contra o fantasma da inflação.
Além, é claro, da voracidade tributária. A especulação financeira é adversária do "espírito animal", pois o industrial, pelo menos nessa condição, não joga para realizar ganhos que pouco têm a ver com o financiamento da economia real.
Um clássico da literatura econômica sobre como agem os mercados especulativos foi a tulipomania. No século 17, a transformação da tulipa, uma flor exótica originária do Oriente, em objeto de desejo de status social fez dos cidadãos de Amsterdã, que era então uma das cidades mais ricas da Europa, especuladores do mercado de tulipas.
A demanda por tulipas, de tipos cada vez mais variados e com espécimes raros desejados ardentemente, fez os preços dos bulbos da flor oscilarem rapidamente. Fazia-se de tudo para comprar tulipas, e daí surgiu o mercado futuro, que consistia na compra de um título do produtor para entrega na época da produção.
Esse papel podia ser comprado ou vendido, gerando lucros ou perdas. A especulação criou o que se chamaria hoje a "bolha da tulipa" e, em 1637, a bolha estourou, causando perdas a milhares de investidores e o prejuízo total dos verdadeiros produtores da flor.
O Brasil, inserido inevitavelmente nos mercados globais, tem a sua moeda, o nosso modesto real, transformada agora em objeto de desejo.
Funciona como ativo de mercado, em que uns apostam na sua subida, outros na sua queda. São os papéis chamados de "futuros", instrumentos de aposta entre vendidos e comprados. Como há algum tempo a expectativa é o real continuar subindo em relação ao dólar, predominam os chamados vendidos nesse mercado, quando o real, em queda constante, levará à "entrega" da moeda "vendida" por um valor menor, o que assegura o lucro do especulador, agraciado ainda pelos juros estratosféricos pagos pelos títulos em reais da dívida do governo. E assim gira a roda da fortuna global, em que os chamados fundos de derivativos, ou "hedge funds", sugam fortunas apostando num real cada vez mais forte. É a versão atual do jogo holandês com as perigosas damas Pecúnia e Fortuna.
Acontece que essa aposta segura no real forte e dólar barato vai abrindo uma enorme cratera em que o produtor brasileiro está caindo. As causas da supervalorização do real são várias, mas certamente há um poderoso elemento especulativo.
Assim, dizer que o mercado de câmbio flutua livremente é entrar num jogo de cartas marcadas.
O que se criou foi uma espécie de fatalismo, de impotência, diante de uma crise que só pode agravar-se, pois quem exporta recebe cada vez menos reais pelo seu produto, que assim tem que ficar mais caro em dólares nos mercados internacionais para poder cobrir os seus custos em reais. Além de ficarmos menos competitivos nos mercados internacionais, torna-se cada vez mais atrativo importar peças, componentes, máquinas, pagando em dólares baratos, o que promove a substituição no mercado interno de produção nacional por importados.
Flutuação "pura" do câmbio não impede que países importantes ponham um dedo na balança, o que é chamado de "dirty floating". No nosso país, quando há alguma intervenção do governo, é para fazer "gol contra", como no caso da isenção do Imposto de Renda para investidores estrangeiros na compra de títulos públicos. Mas o Brasil é adepto da livre flutuação do mercado de câmbio, pelo qual alguns produtores nacionais, agrícolas e industriais, caminham para a ruína. Isso tudo em nome do "perfeito" funcionamento de mercado, que, segundo os seus profetas, levará o Brasil ao paraíso.
Se o mercado antes não passar de vendido para comprado, com os especuladores apostando na queda do real. Assim, estamos no melhor dos mundos.


BORIS TABACOF é diretor do Departamento de Economia do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo).


Excepcionalmente, hoje, a coluna de PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. não é publicada.


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