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ENTREVISTA DA 2ª - LINDA WEISS
Redução do papel do Estado na economia sempre foi mito
Para especialista em desenvolvimento, compras militares dos EUA são maior exemplo de política industrial que gerou inovação tecnológica
A PESAR de todas as manchetes sobre a volta
do Estado à economia, ele nunca se retirou, e os EUA são o maior exemplo disso,
afirma Linda Weiss, especialista em desenvolvimento e professora do Departamento de Governo e Relações Internacionais da Universidade de Sydney (Austrália). Weiss cita especificamente a política de inovação tecnológica americana, organizada
por meio de encomendas da área militar do governo,
como exemplo do que chama de "ativismo estatal"
que nunca diminuiu nas economias mais ricas.
Rafael Andrade/Folha Imagem
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Linda Weiss, especialista em desenvolvimento e professora da Universidade de Sydney (Austrália)
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
Weiss afirma que a China está adaptando o modelo americano para começar a produzir
tecnologias próprias, e sugere
que o Brasil estude o exemplo.
Ela deu entrevista à Folha depois de participar, no Rio de Janeiro, de seminário no Instituto de Economia da UFRJ sobre
Reposicionamentos Estratégicos, Políticas e Inovação em
Tempo de Crise. Abaixo, os
principais trechos.
FOLHA - A senhora diz que não é
possível falar em volta do Estado à
economia porque ele nunca foi embora. Pode explicar?
LINDA WEISS - A ideia predominante no debate sobre a globalização e a sua relação com as opções de política econômica é
que o Estado foi posto numa camisa de força e recuou da economia.
Fez isso para atrair investimentos num mundo de capitais
móveis. O melhor governo é o
que reduz impostos e regulações. O Estado atua nas margens da economia, sem presença ativa e muito menos desenvolvimentista.
Contesto essa ideia olhando
para o que os Estados mais poderosos vêm fazendo.
FOLHA - E quais são os principais
exemplos?
WEISS - O primeiro é o paradoxo de que a desregulamentação
requer rerregulamentação. Por
exemplo, o governo privatiza,
mas acaba se tornando muito
ativo na arena regulatória,
criando agências.
Isso de certo modo aumentou o envolvimento do Estado,
sem necessariamente passar
pelas autoridades executivas,
que têm que responder ao eleitorado.
FOLHA - Mas, no mercado financeiro, houve menos regulamentação,
não?
WEISS - Houve uma opção por
não regulamentar. Foi uma opção movida a razões nacionalistas, porque tanto o Reino Unido quanto os EUA viam o setor
financeiro como o que liderava
a projeção do seu poder na arena econômica internacional.
Com Wall Street de um lado e a
City do outro, para eles fazia
sentido ser liberais.
O Japão fez o mesmo, de modo diferente. Ao desregulamentarem o setor financeiro, os burocratas quiseram manter sua
presença e escreveram as regras com esse objetivo, sem
permitir mais autorregulamentação.
Além disso, há uma forma de
ativismo que é a intervenção
recorrente do Estado para resgatar o sistema bancário em
crises. O que vemos hoje não é
excepcional, é parte do padrão
da internacionalização das finanças nos últimos 200 anos.
FOLHA - Que outros exemplos a senhora reuniu?
WEISS - Um fundamental é no
campo da inovação e da tecnologia. Na OMC (Organização
Mundial do Comércio), os Estados líderes escreveram normas que lhes dão margem para
promover sua indústria nascente, ao mesmo tempo em que
reduziram essa margem para
países em desenvolvimento.
As regras da OMC permitem
políticas de subsídio à ciência e
tecnologia, que é a forma da indústria nascente nas chamadas
economias de conhecimento
intensivo.
Você vê intervenções muito
focadas dos governos dos Estados Unidos, da Europa e do Japão no setor de alta tecnologia,
incluindo comunicação e informação, novos materiais, novas
energias. São áreas vistas como
plataformas de sua prosperidade futura.
FOLHA - Como a senhora compararia o ativismo estatal nos EUA e na
Europa com o na Ásia?
WEISS - Eu diria que o ativismo
asiático está acima do radar, os
países da região não se envergonham de mostrar que têm
política industrial. As populações também apoiam o uso do
poder do Estado na economia.
No caso dos EUA, não há consenso sobre o ativismo estatal.
Então, ele aparece abaixo do radar. A área que explica de onde
vieram as inovações nos EUA,
país que é líder em alta tecnologia, é a máquina de encomendas ligada ao setor militar.
Os EUA construíram um sistema formidável de inovação
baseado no fato de responderem por 50% dos gastos militares mundiais. Dessa forma
existe apoio popular e político,
porque a linguagem usada é a
da segurança nacional. Esse
sistema de encomendas públicas de inovações é tão importante que os europeus agora estão vendo como podem adaptar
a seu próprio setor civil. A China está fazendo a mesma coisa.
FOLHA - Como a China está seguindo o exemplo dos EUA?
WEISS - A China, por exemplo,
quer desenvolver sua própria
indústria de software e está
usando encomendas de tecnologia para isso. Ela está definindo o que é uma empresa chinesa com base no "Buy American"
[cláusula do pacote de estímulo
econômico aprovado nos EUA
no início deste ano].
Para o "Buy American", uma
empresa americana tem pelo
menos 50% de capital americano, está baseada nos EUA e usa
trabalhadores americanos. Essa é a definição que os chineses
estão usando em sua estratégia
de compras governamentais,
com o objetivo de construir sua
própria indústria de alta tecnologia. [No Brasil, a emenda
constitucional nº 6 acabou em
1995 com a distinção entre empresas de capital nacional e capital estrangeiro].
FOLHA - Apesar do ativismo estatal, o Estado de bem-estar social diminuiu?
WEISS - Quando olhamos os
números da OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico,
que reúne cerca de 30 países industrializados], vemos que o
Estado previdenciário na verdade cresceu.
O gasto total aumentou em
média de 26% para 40% do PIB
entre 1965 e 2006. E o componente social desse gasto aumentou de 15% para 22% em
30 anos. Houve reestruturações no destino do dinheiro,
mas não declínio.
FOLHA - Mas o Estado como produtor recuou, não?
WEISS - Sim, claro. Mas é enganoso ver isso como enfraquecimento do Estado. Quando os
serviços eram públicos, qual
era o papel do Estado, afinal?
Mandar contas de luz e gás?
Não era exatamente um ator no
sentido do desenvolvimento.
FOLHA - A resistência que vemos
hoje nos EUA ao envolvimento estatal com o sistema de saúde não é paradoxal?
WEISS - Esse debate mostra
que o sistema político americano não legitima um programa
civil de tecnologia. O Programa
de Tecnologia Avançada, civil,
teve vida curta no governo
Clinton [1993-2001] e recentemente perdeu seu orçamento.
É principalmente por meio
do setor militar que são criadas
estruturas híbridas, agências
com função de investimento e
que não são nem puramente
públicas nem privadas em seu
comportamento. Elas fazem
essas encomendas de alta tecnologia.
FOLHA - E como os produtos chegam ao mercado civil?
WEISS - Não há uma cerca entre a Defesa e o setor civil. A
CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA), por exemplo,
tem seu próprio fundo de investimento e assume participações em empresas privadas. Financia tecnologia que é usada
para objetivos militares, mas
também tem que ser viável comercialmente.
FOLHA - Que observações a senhora fez sobre a posição do Brasil nesse
debate?
WEISS - Foi interessante ouvir
outro dia que a política industrial brasileira tem dois pontos
problemáticos: a falta de uma
política agressiva para a exportação de manufaturados e a política de compras governamentais, que não teria decolado.
Sugiro trazer o caso americano para debate no Brasil. As
compras governamentais são
um instrumento poderoso de
desenvolvimento. O importante é separar as compras ordinárias, como papel e mobília, das
encomendas de tecnologia, de
algo que ainda não existe.
Nisso você estabelece uma
competição entre quem pode
produzir tal coisa e como o Estado pode ajudar. Não é só o governo dizendo como deve ser,
mas há uma interação.
De um só programa americano, o Small Business Innovation Research Program, de onde vieram nomes como a Microsoft, centenas de firmas receberam financiamento. Não
são somas grandes, poderiam
ser US$ 750 mil, por exemplo,
para levar a tecnologia da fase
da ideia na cabeça ao protótipo.
O programa foi lançado em
1982, quando nos EUA temia-se perder a corrida tecnológica
para Japão e Alemanha, e envolve muitas agências governamentais, incluindo o Instituto
Nacional de Saúde -que faz encomendas ao setor farmacêutico e de biotecnologia-, a Nasa e
a Defesa.
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