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OPINIÃO ECONÔMICA
Cutucar a onça
BENJAMIN STEINBRUCH
Há uma expressão popular
brasileira que se aplica bem
à atual pendenga entre Brasil e
Estados Unidos na questão da Alca (Área de Livre Comércio das
Américas): "Não se deve cutucar
a onça com vara curta".
A posição oficial brasileira nessa discussão tem sido defendida
de forma sensata pelo Itamaraty
e pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Mas, por
conta de algumas declarações isoladas, está se materializando a
percepção de que o Brasil lidera
uma rebelião antiamericana no
continente.
Não se pode imaginar que o
Brasil possa ficar fora da Alca,
um monumental acordo que não
diz respeito apenas ao comércio
do continente americano mas
também a investimentos futuros e
a transferência de tecnologia. Virar as costas para a Alca significaria condenar o país ao isolamento
comercial, tecnológico e financeiro nas Américas.
Também é ingênuo imaginar
que a oposição do Brasil possa
tornar inviável a criação da Alca,
porque os americanos estão determinados a fazê-la de qualquer
maneira. Trata-se de um acordo
que envolve 800 milhões de pessoas, que vivem em 34 países do
continente e produzem mais de
US$ 11,5 trilhões por ano. A grande potência do bloco, a onça cutucada, são os Estados Unidos, responsáveis por 80% desse PIB. O
Brasil tem apenas 5% da produção.
Mas aceitar a Alca não significa
necessariamente aceitar de forma
submissa os desejos americanos.
Toda negociação se faz entre tapas e beijos, e o Itamaraty tem conhecida competência para conduzir esse processo com firmeza,
como sempre fez. O próprio Amorim disse na semana passada que
o Brasil "não quer encurralar
nem ser encurralado" por nenhum país.
A Alca interessa ao Brasil se for
delineada de modo a beneficiar o
país. Isso é possível. Todas as nações das Américas querem tirar
do bloco mais crescimento econômico, mais empregos e bem-estar
para seus cidadãos. Obviamente,
o Brasil também deve negociar
duramente com os EUA e os demais parceiros tendo em vista esses objetivos. Deve brigar pelo
acesso irrestrito dos produtos
competitivos brasileiros nos grandes mercados americanos, sem
taxações, cotas ou outra barreira.
Além disso, tem de colocar entre
os itens essenciais a questão dos
subsídios agrícolas, ponto que os
EUA não pretendem discutir no
âmbito da Alca, mas que podem
ser levados a fazê-lo.
O problema, portanto, não é a
negociação firme dos interesses
brasileiros no acordo, mas sim a
idéia que está se ampliando de
que o Brasil lidera um bloco que
se opõe à Alca por ranço antiamericano. Isso pode colocar o país
como alvo preferencial dos tiros
comerciais, financeiros e diplomáticos americanos no continente. Um novo embaixador dos
EUA deve ser nomeado nos próximos meses, para o lugar da simpática e amiga Donna Hrinak.
Então, logo saberemos como anda o humor de Washington com o
Brasil. A escalação de um republicano ultraconservador para o lugar de Donna será um péssimo sinal.
O Brasil precisa cuidar para que
o exercício de soberania não seja
confundido com confrontação.
Exercício de soberania, por exemplo, é continuar a negociação de
acordos com China e Índia, países
que devem ser parceiros preferenciais e dos quais temos de nos
aproximar ao máximo, estreitando laços políticos, comerciais e sociais. Soberania é dar atenção
prioritária aos parceiros do Mercosul, buscar acordos de livre comércio com a União Européia e
com a Rússia ou defender firmemente as posições brasileiras sobre comércio internacional na
OMC (Organização Mundial do
Comércio).
Em todos esses casos, há que colocar sempre em primeiro lugar o
objetivo do crescimento econômico, da criação de empregos e do
bem-estar dos brasileiros. A diplomacia brasileira precisa deixar bem claro que a discussão
com os Estados Unidos é técnica.
Não há viés ideológico nem se
pretende criar um foco de rebelião antiamericana nas Américas. Cutucar a onça com vara curta só é um bom negócio quando se
pode matá-la ao receber o contragolpe. Talvez não seja o caso do
Brasil.
Benjamin Steinbruch, 50, empresário,
é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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