São Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 2008

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Mundo começa a ensaiar nova gerência financeira

Líderes dos países integrantes do G20 têm reunião amanhã, em Washington

Principal objetivo da reunião é estabelecer novas regras para assegurar a estabilidade financeira e econômica mundial

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Um jantar hoje na Casa Branca, em Washington, marca o início de um processo, certamente longo, de construção de uma nova gerência para o sistema financeiro global.
Por enquanto, a nova gerência toma o formato do G20, o clube dos 20 países sistemicamente mais importantes, que respondem por 85% da economia mundial e por dois terços da população do planeta.
Hoje, na verdade, serão 22 países, na medida em que a Espanha e a Holanda entraram na carona oferecida pela França, que é, ao mesmo tempo, membro do clube e presidente de turno da União Européia, conglomerado que também integra o G20.
Não se espere, no entanto, que o jantar de hoje e a reunião de amanhã representem o que alguns líderes e muitos jornalistas chamaram de Bretton Woods 2. Para começar, Bretton Woods 1 -a reunião que, em 1944, definiu a gerência financeira ainda vigente, com a criação do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial- foi a culminação de um processo de negociação de três anos.
Os encontros de Washington foram precedidos de apenas uma reunião preparatória, no fim de semana, em São Paulo.
Mais: em Bretton Woods, estavam presentes 44 países. Hoje, só os países africanos são 54 -quase todos eles colônias de potências européias em 1944.
O máximo que as reuniões de Washington podem oferecer é uma agenda e um cronograma para as próximas reuniões. Uma delas, aliás, já prevista pela União Européia para dentro de cem dias -ou seja, no fim de fevereiro ou começo de março, cerca de um mês e meio depois da posse de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos, o país que, em crise ou não, detém a chave de qualquer negociação.
A questão seguinte óbvia é saber se Obama aprova ou não o formato G20. A esse respeito só há uma indicação -e indireta: Lawrence Summers, da nutrida equipe de assessores econômicos do presidente eleito, é um dos pais do G20, ao lado do canadense Paul Martin, ambos ministros no lançamento do grupo em 1999.
Summers defendeu o G20 em artigo para uma revista editada pela Universidade de Toronto e seu grupo de estudos sobre o G20, em número especial dedicado à reunião de São Paulo.
"O G20 é agora parte importante e estabelecida dos calendários oficiais e da arquitetura internacional. (...) A cooperação [internacional] tem sido melhor e as políticas mais sábias por causa da existência do G20", escreveu.
Na mesma linha de raciocínio, Sebastian Mallaby, pesquisador-sênior do Conselho de Economia Internacional do Council on Foreign Relations, vê na simples realização da cúpula de Washington o principal resultado dela. Explica: "É a primeira cúpula do G20, o que estabelece um padrão, a partir do qual construir uma presença que vá além do G8".

Jantar, e não só cafezinho
Até agora, o G20 só reunia seus ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais, não os chefes de governo. A alusão ao G8 se deve ao fato de que a gerência política do planeta ficou mais ou menos nas mãos desse pequeno grupo de sete países ricos mais a Rússia.
Se o G20 tomará o lugar do G8, como apostam Mallaby e o governo brasileiro, é uma questão em aberto, que possivelmente será discutida pelos líderes reunidos em Washington.
O problema é de que G20 se está falando.
Quando Summers o elogia, possivelmente está pensando no G20 que ajudou a criar, como instrumento para que os países emergentes assimilassem lições do mundo rico e se comportassem como o mundo rico gostaria.
Diz, por exemplo, Xaiojin Chen, do Instituto de Tecnologia Internacional e Economia da China: "Tanto o G8+5 como o G20 têm a função de legitimar iniciativas do G8 para um universo mais amplo e de angariar suporte mais amplo para idéias geradas no G8. É assim difícil imaginar que o G20 possa ter qualquer influência independente".
O G8+5 é a reunião entre o G8 e cinco países emergentes (o Brasil entre eles), em que os emergentes aparecem no final, "para tomar um cafezinho", na expressão usada na semana passada pelo ministro brasileiro da Fazenda, Guido Mantega.
Já na visão do governo brasileiro, o G20 seria a maneira de integrar os emergentes para a refeição completa.
Na reunião de São Paulo, o G20 ganhou um selo de qualidade. O comunicado final diz que o grupo, "com sua ampla representação das maiores economias sistemicamente importantes, tem um papel crucial a desempenhar para assegurar a estabilidade financeira e econômica global".
Mas não ganhou o rótulo de substituto do G8 nem do G8+5.
Washington pode representar um avanço nesse sentido. Pelo menos, os emergentes jantam com os ricos, em vez de serem servidos apenas do cafezinho.



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