UOL


São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2003

Texto Anterior | Índice

COMÉRCIO EXTERIOR

Presidentes dos países do bloco retomarão programa que prevê um mercado comum já para 2006

Cúpula discute na terça Mercosul dos sonhos

DO ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

No dia 1º de janeiro de 2006, todos os bens produzidos no Mercosul circularão livremente no espaço econômico integrado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. O Mercosul será um enorme mercado de mais de 250 milhões de habitantes.
Uma mesma e única TEC (Tarifa Externa Comum) vigorará para o comércio de produtos entre o Mercosul e o resto do mundo. O Mercosul será um território aduaneiro único e não haverá barreiras alfandegárias ao fluxo comercial interno. O conceito de fronteira praticamente deixará de existir do ponto de vista econômico.
Regulamentos e normas técnicas estarão harmonizados, os produtos respeitarão os mesmos critérios e especificações na produção e serão vendidos a consumidores que terão garantidos direitos equivalentes, independentemente de seu país de origem.
A liberalização do comércio de serviços estará avançada, e os efeitos se farão sentir: profissionais de várias áreas começarão a ver expandir o mercado de trabalho.
Os Ministérios de Economia e os Bancos Centrais dos quatro países, tendo atingido suas primeiras metas fiscais comuns, avançarão no processo de coordenação macroeconômica.
O Mercosul estará inserido, por outro lado, em uma rede de acordos de liberalização comercial que abarcará todo o continente e se espalhará por outros países.
Tudo o que se leu acima é delírio de mente ensandecida? Talvez. Mas está na página da internet do Ministério de Relações Exteriores do Brasil e, mais, estará também sobre a mesa em que se reunirão na terça, em Montevidéu, os quatro presidentes do bloco.
O delírio, sonho ou utopia chama-se "Objetivo 2006", um ambicioso programa de integração lançado na cúpula anterior (junho), cujo andamento será revisto agora pelos mandatários.
Se os presidentes olharem para trás, parecerá delírio o Mercosul-2006 descrito pelo Itamaraty.
O Brasil, o maior país do bloco, terá crescimento zero neste ano, está com desemprego recorde, e as perspectivas do "espetáculo do crescimento", prematuramente anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, são motivo de polêmica entre agentes do governo e o empresariado.
A Argentina, o segundo grande sócio, mal está saindo da maior crise de sua história, ainda com desemprego elevado, em moratória na dívida externa e com um número recorde de pobres.
Paraguai e Uruguai, sócios menores, não escaparam de crises.
Mas a cúpula de terça-feira já marcará o atendimento de alguns dos pontos do Mercosul dos sonhos prometido para 2006.
Um dos acordos será exatamente a liberalização dos serviços entre os países, o que permitirá que um escritório de engenharia brasileiro, por exemplo, atue em qualquer um dos três outros países como se fosse local.
É possível que seja também anunciado o acordo sobre compras públicas, o que liberará para firmas dos países-membros do Mercosul a participação nas concorrências públicas federais de bens, serviços e obras.
Também deve ser assinado o acordo de livre comércio entre o Mercosul e os países andinos (Equador, Colômbia e Venezuela), mais um nó na "rede de acordos de liberalização comercial que abarcarão todo o continente", descrita no Mercosul dos sonhos.
A eliminação das exceções hoje em vigor na TEC já é uma decisão antiga, prometida para ser totalmente implementada em 2006.
O Mercosul será então uma união aduaneira perfeita e acabada. Trata-se de um estágio superior ao de zona de livre comércio. Nesta, são zeradas as tarifas de importação para a produção proveniente dos sócios do bloco. Na união aduaneira, além disso, vigora a mesma e única tarifa para o comércio de produtos do resto do mundo para o Mercosul.
Mas o "Objetivo 2006" eleva a mira e busca um mercado comum, do qual o principal modelo é hoje a União Européia, o bloco de 15 países (serão 25 a partir de 1º de maio), 12 dos quais trabalham até com moeda única.
O Itamaraty descreve assim o mercado comum:
"A maior diferença entre o mercado comum e a união aduaneira é que esta regula apenas a livre circulação de mercadorias, enquanto o mercado comum prevê também a livre circulação de capital e trabalho. Dessa liberalização decorre, por um lado, a livre circulação de pessoas (trabalhadores ou empresas) e, por outro, a livre circulação de capitais (investimentos, remessas de lucro etc.)".
É uma descrição que encaixa à perfeição no Mercosul utópico previsto no "Objetivo 2006".
Se se vai chegar lá é uma questão aberta. Mas o simples fato de estar na agenda dos presidentes representa uma reversão formidável no quadro anímico do bloco durante parte do ano passado.
À época, as crises nos países deram início à discussão da possibilidade de retroceder da união aduaneira, mesmo incompleta, a uma mera zona de livre comércio.
(CLÓVIS ROSSI)


Texto Anterior: Site da Fazenda calcula o valor total da dívida
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.