São Paulo, sexta, 15 de janeiro de 1999

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OPINIÃO ECONÔMICA

O drama das dívidas estaduais

MAILSON DA NÓBREGA

Em princípios de 1983, o governador do Estado da Paraíba, recém empossado, telefonou-me para avisar que faria um saque a descoberto no Banco do Estado. Eu seria a única pessoa do governo federal a tomar conhecimento prévio do assunto.
Por eu ser paraibano e secretário-geral do Ministério da Fazenda, não parecia razoável ao governador que sua decisão me chegasse pelos jornais.
Aconselhei o governador a não efetuar o saque e o alertei sobre as graves consequências para o Estado e para o país. O governo acabara de negociar um acordo com o Fundo Monetário Internacional, que previa um grande esforço de ajuste fiscal, o qual poderia frustrar-se diante de atos como aquele.
Ele argumentou que nada temia. Afinal, o Ministério da Fazenda e o Banco Central não haviam adotado qualquer medida punitiva diante do saque a descoberto que o governador do Rio de Janeiro também fizera no seu banco estadual.
Afora isso, disse o governador, o saque se destinava a pagar a folha de pessoal. Alguma semelhança com o momento atual?
Informei incontinenti o ministro da Fazenda, mas não havia como evitar o saque.
Naquela época, o Banco Central não possuía qualquer controle sobre as reservas bancárias. Era possível a um banco ficar com saldo negativo nas reservas depositadas no Banco do Brasil.
Oficialmente, o Banco Central tomava conhecimento da movimentação das reservas bancárias cerca de 40 dias depois.
A resposta que parecia apropriada seria propor ao presidente da República a intervenção federal nos Estados, nos termos da Constituição da época.
Essa idéia, debatida em alguns momentos, não chegou a tomar forma. A intervenção teria que começar pelo Estado do Rio de Janeiro, cujo governador, Leonel Brizola, acabara de ser eleito por um partido de oposição. Era politicamente inviável adotar a medida em pleno processo de redemocratização.
O precedente aberto pelo Rio de Janeiro e aproveitado pela Paraíba se alastrou e em pouco tempo os bancos estaduais causaram um grande rombo na política monetária. Haviam se transformado em canal autônomo de emissão de moeda e em fonte automática de financiamento de déficits de seus respectivos governos.
Entre 1983 e 1987, o Banco Central e o Ministério da Fazenda realizaram um esforço de negociação com os Estados para por ordem nos seus bancos oficiais e para reorganizar as finanças dos respectivos Tesouros estaduais.
Quando tudo parecia caminhar para a normalidade, a questão do endividamento dos Estados voltou com toda a força em 1987, no primeiro ano de mandato da nova leva de governadores.
À exceção de Sergipe, todos os Estados eram governados pelo PMDB. Por isso, os governadores, alegando dificuldades financeiras, pediram o apoio do presidente do PMDB, o deputado Ulysses Guimarães, para chegar a uma solução.
Àquela altura, já se tornara difícil usar os bancos estaduais como fonte de cobertura de déficits. Assim, os governadores precisavam de recursos do governo federal para refinanciar dívidas e realizar novos gastos.
O pedido foi atendido. O governo federal encaminhou projeto de lei ao Congresso criando dotação expressiva de recursos para refinanciar dívidas estaduais e viabilizar a realização de investimentos. Mais à frente essas novas dívidas viriam a ser renegociadas.
Quatro anos depois, em 1991, a nova safra de governadores repetiu a mesma ladainha: dizendo que seus Estados estavam quebrados, demandaram ajuda do governo federal. Uma nova rodada de renegociação de dívidas foi concluída em 1993.
Em 1995, já sob o Plano Real, os novos governadores iniciaram seus mandatos pressionando o governo federal por recursos e renegociação de dívidas, o que vieram a obter em 1997 e 1998, depois de árduo trabalho conduzido pelo secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Pedro Parente.
As demandas por renegociação, neste começo de 1999, repetem um filme conhecido. Por isso, podem frustrar-se as expectativas de que o trabalho de Parente seria definitivo. Pior, o enredo ganhou mais um aspecto negativo: uma irresponsável moratória.
Por trás do drama das dívidas estaduais está a percepção dos governadores de que a União é um poço sem fundo de recursos ao qual podem sempre recorrer.
Assim, é preciso apoiar a proposta Lei de Responsabilidade Fiscal, que proibirá o refinanciamento dessas dívidas e estabelecerá limites legais rígidos à sua expansão.


Mailson da Nóbrega, 56, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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