|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Mercado de arte empobrece depois da crise global
Volume de vendas cai com saída de cena da classe média; no Brasil, efeito ainda não veio com força, mas há desaquecimento
Britânica Christie's vai fazer corte de 20% no número
de funcionários; ações da americana Sotheby's
caem 64% desde setembro
MAURÍCIO MORAES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Passados nove meses de sua
morte, o estilista francês Yves
Saint Laurent causou frisson
em Paris há três semanas. Sua
coleção de arte privada, e de seu
companheiro Pierre Bergé, foi
leiloada por 373,5 milhões.
O valor é recorde, mas o que
mais estarreceu o setor, acostumado a cifras exorbitantes, é
que a venda se deu no meio da
turbulência econômica que
varre o mundo. Apesar do resultado grandioso, as artes já
amargam os efeitos da crise,
com feiras enxutas e clientes
ressabiados. No Brasil, a crise
ainda não chegou com força,
mas o mercado já se desacelerou. Na Bolsa de Arte do Rio, a
captação de obras para a temporada de leilões, por enquanto, é 50% menor que em 2008.
O mercado de artes plásticas,
assim como quase toda a economia, vivia tempo de vacas
gordas até o estouro da crise.
Poucos dias após a concordata
do banco americano Lehman
Brothers, há seis meses, um leilão com obras do britânico Damien Hirst levantou US$ 107,8
milhões em Londres. Mas a bolha da arte contemporânea parece ter estourado. "Não se pode esperar que uma obra de um
artista com menos de 50 anos
valha mais que um Rafael", diz
Pedro Corrêa do Lago, representante no Brasil da casa de
leilão Sotheby's, referindo-se a
um dos ícones da Renascença.
Apetite
A disparidade de preços mostra o quão aquecido andava o
mercado de artes, sobretudo
pelo apetite dos novos milionários russos e de colecionadores
da Ásia. No Brasil, guardadas as
devidas proporções, o mercado
seguia igualmente bem. Ainda
não se consegue ver com clareza os eventuais estragos da crise por aqui, já que as vendas
tradicionalmente ganham força a partir de agora, com a temporada de leilões e a SP Arte,
feira que acontece em maio.
Dadas as características do
mercado brasileiro, muito pequeno e sem políticas públicas
de aquisição, a alavancagem
das galerias locais sempre foi
muito limitada se comparada à
das norte-americanas.
Segundo a marchand Márcia
Fortes, da galeria Fortes Vilaça,
a obra mais cara da última exposição da pintora carioca Beatriz Milhazes foi vendida por
R$ 300 mil. Valor muito inferior ao US$ 1,05 milhão arrecadado com a venda de sua tela "O
Mágico", num leilão da Sotheby's em Nova York, no início
do ano passado.
Os galeristas são unânimes
em confirmar que o mercado
anda "devagar", mas negam
que estejam baixando preços.
"Estamos é enxugando todo tipo de operação, em cerca de
30%", diz Fortes, que representa outros pop stars da arte brasileira, como Vik Muniz e Ernesto Neto.
Segundo outra marchand,
Raquel Arnaud, dona da galeria
que leva seu nome, "esta é uma
fase de espera". "Os clientes estão mais cautelosos", conta.
Já o galerista Eduardo Leme,
que é economista, acredita que
parte da retração no mercado
internacional de artes se dá
porque repentinamente saiu de
cena uma classe média que passou a consumir com a bonança
dos últimos anos. "Mas isso não
acontece no Brasil, porque esse
perfil é insignificante aqui." Ele
diz que não é só o preço ou a
oportunidade do negócio que
motiva a compra de uma obra:
"Tem o fetiche da peça única e a
vontade do colecionador, que
vai continuar comprando, senão a peça mais cara, uma mais
barata".
Transações milionárias
Por trabalhar com uma mercadoria muito subjetiva, o mercado de artes possui diversas
nuances. Os especialistas dizem que a crise não deve impedir, por exemplo, transações
milionárias de obras-primas
consagradas, cujo preço não
deve cair. Um trabalho da fase
de vanguarda de Pablo Picasso,
por exemplo, vai continuar caro e com mercado garantido,
mas uma "obra média", uma
gravura dos seus últimos anos,
pode se tornar suscetível.
"Se Eduardo Constantini
[colecionador argentino] quiser vender "O Abaporu", de Tarsila do Amaral, vai ter quem pague milhões aqui no Brasil",
afirma Jonas Bergamin, presidente da Bolsa de Arte do Rio
de Janeiro. O mesmo não acontece com obras menores e artistas menos consagrados, a julgar
pela dificuldade de Bergamin
em captar peças para a próxima
temporada de leilões.
"A oferta para os leilões caiu
50%. É comum pensar que, numa crise, as pessoas vão vender.
Podem até deixar de comprar,
mas nunca vão vender", diz,
considerando que as obras
também são uma reserva de valor. Para Corrêa do Lago, da Sotheby's, há "uma correção de
10% a 30% no valor das peças
médias". Ele confirma a dificuldade na captação de obras.
E o sucesso do leilão de Saint
Laurent? "É que uma peça que
pertenceu a ele ganha pedigree", diz Corrêa do Lago. Também havia muitas raridades entre as obras leiloadas, que não
vão estar disponíveis tão cedo
no mercado.
Preços
Christina Haegler, representante da Christie's, a casa responsável pelo leilão do estilista,
também se diz surpresa: "Foi
um alívio". Ela conta que o valor das obras tem caído nos pregões. "Na arte contemporânea,
os preços caíram até 30%", diz,
e também há dificuldade em
encontrar peças para os leilões.
A desaceleração do mercado de
artes já fez com que a Christie's
anunciasse que irá fazer "reduções significativas no quadro de
funcionários" ao longo deste
ano. Fala-se de um corte de até
20%.
O volume de vendas dos leilões antes e depois da crise
(apesar da surpresa em Paris)
mostra o desaquecimento. Em
maio do ano passado, um leilão
com produção do pós-Guerra,
que incluía o expressionista
abstrato Sam Francis, teve 95%
dos lotes vendidos pela Christie's. Em novembro, num outro
leilão, que incluía peças do
também artista americano
Jean-Michel Basquiat, 68% dos
lotes foram arrematados.
As coisas também não vão
bem para a rival Sotheby's.
Desde o agravamento da crise,
as ações da empresa americana
negociadas em Wall Street se
desvalorizaram em 64%.
Texto Anterior: BNDES gasta R$ 50 milhões em publicidade Próximo Texto: Frases Índice
|