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VINICIUS TORRES FREIRE
Como o país reproduz a injustiça
Balanço da década 95-05 mostra a deterioração do emprego e falácias na análise da queda da desigualdade
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É DEVASTADOR o relatório sobre
trabalho e renda do Boletim
Políticas Sociais do Ipea, edição especial, que analisa a década do
real, 1995-2005.
O trabalho, embora técnico, apresenta uma das raras críticas sérias ao
caráter cada vez mais conservador e
acomodatício das políticas públicas
sociais e das interpretações comuns
de como o país reproduz a injustiça.
O estudo foi divulgado nesta semana, com outras pesquisas desse
excelente serviço público que é o
Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada. Mas o espírito do tempo
fez com que mais uma vez a atenção
maior do público recaísse sobre avaliações limitadas do problema social, centradas na relação entre desigualdade de renda e assistência social. Significativamente, trabalho
ruim e desemprego, tidos como "danos colaterais", resíduos intratáveis
de contextos e políticas econômicos,
merecem consideração marginal.
Tome-se a redução da desigualdade de renda neste início de século.
Pesquisas indicam que essa pequena involução da injustiça deveu-se
na maior parte à queda na diferença
de salários. Estudos sugerem que a
interiorização da indústria, devida à
abertura econômica dos 90, e o
agronegócio, em parte menor, devem estar na causa dessa mudança.
Mas a qualidade do trabalho e a
oferta de emprego não melhoraram
na década, além de ter ocorrido uma
reafirmação do clichê politicamente
incorreto que é o sistema econômico brasileiro: negros, mulheres, jovens periféricos e gente sem instrução seguem mais à margem.
A participação do trabalho na renda nacional caiu de 52% em 1990 para 40% em 2003. A renda média real
dos empregados caiu 11,4% entre
1995 e 2005. O índice (Gini) de desigualdade dos rendimentos do trabalho caiu 8%. Mas isso se deveu a uma piora nas condições do trabalho dos
"mais privilegiados": "...a principal
conseqüência do quadro macroeconômico dos últimos dez anos para o
mercado de trabalho foi a degradação do núcleo de trabalhadores com
melhor inserção produtiva, tradicionalmente composto por assalariados urbanos do sexo masculino,
adultos e brancos", diz o estudo.
Embora o grau de formalização do
trabalho continue a melhorar, na
margem, a década do real foi perdida
para a qualidade do emprego: a taxa
de formalização de 2005 era a mesma da de 1995: 44%.
O número médio de anos de estudo do trabalhador passou de 5,7 para
6,9. Mas essa "...força de trabalho
mais qualificada está sendo mais
mal remunerada". O desemprego
saiu da casa dos 6% para 9%-10%.
Nos grupos sociais mais atingidos
pela falta de trabalho (jovens, gente
de escolaridade intermediária e das
metrópoles), há menos proteção social e formalização do trabalho.
As políticas públicas concentraram-se no reparo marginal de danos
e reduz-se o "potencial macroeconômico" de criação de trabalho de
qualidade "...à medida que o pleno
emprego deixa de fazer parte do horizonte de decisões políticas fundamentais da sociedade...".
Trata-se do horrível resultado da
década da reforma imperfeita e do
conservadorismo crescente, da "responsabilidade social", de terceirização e onguismo em políticas públicas e da difusão da idéia de que política econômica não é política social.
vinit@uol.com.br
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