São Paulo, domingo, 15 de abril de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Como o país reproduz a injustiça


Balanço da década 95-05 mostra a deterioração do emprego e falácias na análise da queda da desigualdade

É DEVASTADOR o relatório sobre trabalho e renda do Boletim Políticas Sociais do Ipea, edição especial, que analisa a década do real, 1995-2005.
O trabalho, embora técnico, apresenta uma das raras críticas sérias ao caráter cada vez mais conservador e acomodatício das políticas públicas sociais e das interpretações comuns de como o país reproduz a injustiça.
O estudo foi divulgado nesta semana, com outras pesquisas desse excelente serviço público que é o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Mas o espírito do tempo fez com que mais uma vez a atenção maior do público recaísse sobre avaliações limitadas do problema social, centradas na relação entre desigualdade de renda e assistência social. Significativamente, trabalho ruim e desemprego, tidos como "danos colaterais", resíduos intratáveis de contextos e políticas econômicos, merecem consideração marginal.
Tome-se a redução da desigualdade de renda neste início de século. Pesquisas indicam que essa pequena involução da injustiça deveu-se na maior parte à queda na diferença de salários. Estudos sugerem que a interiorização da indústria, devida à abertura econômica dos 90, e o agronegócio, em parte menor, devem estar na causa dessa mudança.
Mas a qualidade do trabalho e a oferta de emprego não melhoraram na década, além de ter ocorrido uma reafirmação do clichê politicamente incorreto que é o sistema econômico brasileiro: negros, mulheres, jovens periféricos e gente sem instrução seguem mais à margem.
A participação do trabalho na renda nacional caiu de 52% em 1990 para 40% em 2003. A renda média real dos empregados caiu 11,4% entre 1995 e 2005. O índice (Gini) de desigualdade dos rendimentos do trabalho caiu 8%. Mas isso se deveu a uma piora nas condições do trabalho dos "mais privilegiados": "...a principal conseqüência do quadro macroeconômico dos últimos dez anos para o mercado de trabalho foi a degradação do núcleo de trabalhadores com melhor inserção produtiva, tradicionalmente composto por assalariados urbanos do sexo masculino, adultos e brancos", diz o estudo.
Embora o grau de formalização do trabalho continue a melhorar, na margem, a década do real foi perdida para a qualidade do emprego: a taxa de formalização de 2005 era a mesma da de 1995: 44%.
O número médio de anos de estudo do trabalhador passou de 5,7 para 6,9. Mas essa "...força de trabalho mais qualificada está sendo mais mal remunerada". O desemprego saiu da casa dos 6% para 9%-10%.
Nos grupos sociais mais atingidos pela falta de trabalho (jovens, gente de escolaridade intermediária e das metrópoles), há menos proteção social e formalização do trabalho.
As políticas públicas concentraram-se no reparo marginal de danos e reduz-se o "potencial macroeconômico" de criação de trabalho de qualidade "...à medida que o pleno emprego deixa de fazer parte do horizonte de decisões políticas fundamentais da sociedade...".
Trata-se do horrível resultado da década da reforma imperfeita e do conservadorismo crescente, da "responsabilidade social", de terceirização e onguismo em políticas públicas e da difusão da idéia de que política econômica não é política social.

vinit@uol.com.br


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