São Paulo, sábado, 15 de maio de 2010

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Deflação é novo fantasma na UE

Investidor se dá conta da dificuldade de reduzir deficit via corte de despesas sem afetar crescimento, e Bolsas caem

Retração dificulta pagamento de dívida; expurgados os preços de energia e alimentação, Espanha registra primeira deflação desde 1986

Arturo Rodriguez - 12.mai.10/Reuters
O primeiro-ministro da Espanha, José Luis Zapatero, anuncia pacote de reduções de despesa no Parlamento, em Madri

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

Pareceu premonitório: o diretor Oliver Stone apresentou ontem ao Festival de Cannes a sequela de seu filme "Wall Street", com o subtítulo "O Dinheiro Nunca Dorme".
De fato, os donos do dinheiro passaram nervosamente acordados o dia de ontem: apostaram contra o euro, que chegou a seu nível mais baixo em relação ao dólar em 18 meses, e jogaram para baixo as Bolsas de Valores de Tóquio a São Paulo, de Madri a Nova York.
A explicação para o novo surto de insônia no mercado é a descoberta tardia do óbvio: é impossível conseguir a quadratura do círculo. Não dá para reduzir deficit público, por meio de cortes e alta de impostos, sem afetar o já anêmico crescimento econômico do mundo rico, em especial da Europa.
Aulinha básica de Antón Costas (Universidade de Barcelona): "A austeridade pela austeridade é aberração. Não se trata de reduzir o deficit à custa de reduzir o crescimento. Sem crescimento, os ingressos públicos não voltarão. E, sem ingressos, o deficit não pode cair de forma sustentável".

Ameaça
Reforça Paul De Grauwe (Universidade de Lovaina, Bélgica): "Uma dinâmica deflacionária que se autoalimenta ameaça envolver toda a zona do euro, na qual a austeridade imposta pelos mercados financeiros hoje torna a recuperação mais difícil, o que, por sua vez, torna mais duro corrigir deficit e dívidas dos governos".
O medo à "dinâmica deflacionária" não é apenas um palpite acadêmico. Ao menos na Espanha, materializou-se nos índices ontem divulgados: mostram que a chamada "inflação subjacente", expurgada dos preços de alimentos e energia, caiu 0,1%, pela primeira vez na história das estatísticas do setor, coletadas desde 1986.
Culpa, como é óbvio, da queda da demanda. Das 57 rubricas que compõem a cesta de compras usada para determinar a evolução dos preços, 32 estavam mais baratas em abril de 2010 do que um ano antes.
Em clara evidência de que a inquietação deslocou-se da crise da dívida/deficit para a de crescimento, o britânico "The Guardian" soltou editorial que pretende ser tão premonitório como o título do filme de Stone: prevê um Natal triste para o primeiro-ministro David Cameron, no cargo há quatro dias.
Tudo o que ele vier a fazer, diz o texto, acabará ensombrecido por "um recessão de duplo mergulho".
Ou seja, o Reino Unido que está saindo da retração agora voltará a mergulhar nela, sempre por culpa do pacote de ajuste a ser logo anunciado.
Se os cortes impostos pelos mercados levarem de fato a uma nova retração, pagar a dívida, o que já implica sacrifícios tremendos, tende a tornar-se inviável. É natural, portanto, que se volte a falar em "reestruturação da dívida", eufemismo para calote, ainda que parcial.

Dívida e dúvida
Um dos principais banqueiros alemães, Josef Ackermann, presidente do Deutsche Bank, deixou claro ontem que duvida que a Grécia seja capaz de pagar toda a sua dívida.
Tudo somado, a Europa termina a semana pior do que estava na sexta-feira anterior, apesar de, na madrugada de segunda-feira, ter saído o megapacote de US$ 1 trilhão para acolchoar a queda: com dúvidas sobre o pagamento dos débitos, sobre a redução dos déficits e, agora, pânico sobre a atividade econômica.
Como a Europa representa um quarto da atividade econômica do planeta, seus fantasmas não ficarão contidos nas suas fronteiras.


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