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OPINIÃO ECONÔMICA
Não chores por mim, Argentina
BENJAMIN STEINBRUCH
Em fins de janeiro de 2002,
em uma viagem a Buenos Aires, pude constatar a desolação e
o caos em que estava mergulhada
a Argentina, por culpa de políticas econômicas equivocadas.
Já no aeroporto de Ezeiza, sempre tão cheio de turistas, não havia fila para os não-residentes.
No centro da capital, lojas, casas
de show e restaurantes estavam
sempre vazios. Nos hospitais e
nas farmácias, faltavam até os remédios mais básicos. Nos negócios, nenhum sinal de vida: ninguém comprava e ninguém vendia.
A Argentina, que era um país
desenvolvido no início do século
20, quando tinha renda per capita igual à da Alemanha, estava
em bancarrota. Havia decretado
a maior moratória da história, de
US$ 80 bilhões, não tinha nenhum crédito internacional, e os
recursos financeiros das pessoas
haviam sido bloqueados, sendo
liberados a conta-gotas. Milhares
de cidadãos da classe média dependiam de instituições de caridade para se alimentar.
Dois anos e alguns meses se passaram. As filas voltaram ao aeroporto, os bons restaurantes têm
espera de até uma hora e as lojas
estão cheias de turistas, atraídos
pelos baixos preços que o peso
desvalorizado oferece aos estrangeiros. Os negócios se animam. O
PIB cresce a um ritmo anual de
11%, o segundo maior índice do
mundo, e a balança comercial
apresenta superávit de US$ 14,2
bilhões em 12 meses (até março),
o que proporciona superávit de
US$ 7,9 bilhões na conta corrente
externa. A inflação mantém-se
comportada em 3,3% ao ano,
apesar dos juros nominais de
apenas 5,5%.
Esses números não indicam que
a Argentina esteja salva. Mostram apenas que o país, depois de
ver a renda per capita de sua população cair mais de 20% em três
anos, vive um momento de grande crescimento econômico. Até
agora, esse "boom" foi sustentado
por três fatores: a apropriação de
recursos decorrentes do calote da
dívida externa (só em juros para
os detentores de bônus a Argentina deixou de pagar US$ 18 bilhões desde dezembro de 2001); a
utilização de capacidade ociosa
do parque industrial, que permite
a expansão de produção sem
grandes investimentos; e o aumento da receita de exportações
decorrente da elevação brutal dos
preços das commodities agrícolas
no ano passado.
Os críticos dizem que o crescimento argentino não é sustentável, porque será estrangulado pela falta de investimentos, algo
que já ocorre no setor de energia.
O ministro da Economia, Roberto
Lavagna, tem uma dura batalha
com os credores pela frente. Ele
ofereceu na semana passada um
plano de negociação da dívida
em "default" em que pede um
desconto de 75% no valor dos bônus não-pagos, proposta que os
credores consideraram inaceitável. Mesmo que Lavagna obtenha
um acordo, dizem os mais críticos, dificilmente haverá qualquer
tipo de investimento estrangeiro
na Argentina até que o calote
monumental seja esquecido por
bancos e demais credores internacionais. Outros, menos críticos,
apostam na memória curta do
sistema financeiro internacional
e citam o exemplo da moratória
da Rússia, em 1998, já esquecida.
Não quero entrar nessa polêmica. Lembro apenas que o presidente Néstor Kirchner conta com
o apoio de 70% da população.
Toda essa popularidade, bem como a retomada da auto-estima
pelos argentinos, advém de um
fato: o crescimento econômico. A
Argentina chegou ao fundo do
poço em fins de 2001 pela elementar razão de que seus governos
não apostaram no crescimento
na década de 90.
Calote, obviamente, não é caminho a ser escolhido por nenhum país, até porque, na Argentina, ele foi conseqüência -e não
causa- de políticas desastradas.
Por longos anos, o governo só cuidou de políticas de estabilização,
com aval do FMI, e relegou a segundo plano ações que levariam
ao desenvolvimento, na suposição neoliberal de que isso viria
naturalmente, pelas forças do
mercado.
A lição da "ressurreição" argentina, portanto, não está na
idolatria do calote da dívida. Está
na aposta no crescimento. Mesmo em economias gravemente
machucadas por rupturas recentes, como a argentina, não se pode jogar pela janela nenhuma
oportunidade de expandir a produção e o emprego. No ano passado, no Brasil, com condições muito melhores que a Argentina, o
Banco Central "papou mosca",
na expressão da economista Eliana Cardoso, ao agir timidamente
na redução da taxa de juros. Espero que não faça o mesmo de
novo agora.
Benjamin Steinbruch, 50, empresário,
é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.
E-mail - bvictoria@psi.com.br
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