São Paulo, quinta-feira, 15 de julho de 2004

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COMÉRCIO EXTERIOR

Bloco europeu anuncia redução nos subsídios ao açúcar, e usineiros estimam aumentar exportações

País espera ter US$ 300 mi com decisão da UE

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O Brasil ganhará cerca de US$ 300 milhões em exportações adicionais de açúcar, apenas no primeiro momento de vigência das novas medidas da União Européia, que anunciou ontem um pacote de substanciais reduções no protecionismo a seus produtores.
O cálculo é de um eufórico Eduardo de Carvalho, presidente da Unica (União da Agroindústria Canavieira de São Paulo), que reúne 98 associados, responsáveis por 65% da produção brasileira de açúcar.
Tão eufórico que considerou o pacote europeu a "Queda da Bastilha" do açúcar, em alusão ao fato de que se deu num 14 de julho, exatamente a mesma data da queda da verdadeira Bastilha, na Revolução Francesa, no século 18.
As contas são fáceis de fazer: a Europa reduzirá as exportações subsidiadas de 2,4 milhões para apenas 400 milhões. Abre-se, portanto, um espaço de 2 milhões de toneladas a ser preenchido por outros produtores. O Brasil, que já é o maior exportador de açúcar e o segundo maior de açúcar refinado (depois da Europa), ficará com entre 50% e 60% desse total, o que dá de 1 milhão a 1,2 milhão de toneladas.
"A US$ 250 a tonelada, ganharemos, no primeiro momento, algo em torno de US$ 250 milhões a US$ 300 milhões", fecha a conta o presidente da Unica.
A reforma européia começará em julho de 2005 e prevê, além da redução dos subsídios à exportação, um corte no preço mínimo pago aos produtores, dos atuais 632 por tonelada para 241 em duas etapas em três anos.
A produção européia se reduzirá, em quatro anos, de 17,4 milhões de toneladas para 14,6 milhões de toneladas.
Mas o ganho brasileiro pode ser mais imediato. Nas negociações entre o Mercosul e a União Européia, que continuam a partir de segunda-feira em Bruxelas, o bloco do Sul vai pedir acesso ao mercado europeu do açúcar, que continuará fechado mesmo após a reforma.
Sabe que não vai levar, a não ser, eventualmente, na forma de cota. Nesse caso, o Mercosul pedirá uma cota de 1,8 milhão de toneladas, que é quase a quantia (2 milhões de toneladas) que os europeus deixarão de exportar com subsídios.
Mesmo que não ganhe cota de açúcar, o Mercosul terá cota para etanol, álcool combustível que é produzido a partir da cana-de-açúcar e do qual o Brasil é o maior produtor mundial.

Sinal político
A Comissão Européia deu ao novo plano para o açúcar o caráter de mensagem política, assim transmitida por Arancha González, a porta-voz para Comércio:
"Quando falamos que estamos fazendo reformas, é porque estamos de fato executando-as".
Tradução: a Europa cansou-se de ser a vilã eterna em todas as negociações comerciais, pelo seu protecionismo agrícola, e resolveu sair ao ataque, com o que coloca na defensiva os EUA (o outro país que usa e abusa do protecionismo agrícola).
Não por acaso, o comissário europeu para o Comércio, Pascal Lamy, tomou a iniciativa de mencionar o algodão, outro produto agrícola hiper-sensível, durante a reunião do fim de semana em Paris entre os chamados cinco grandes parceiros da negociação comercial global (UE, EUA, Brasil, Austrália e Índia).
Disse que era preciso, no bojo da negociação agrícola da Organização Mundial do Comércio, dar "visibilidade setorial" ao algodão.
Motivo: os EUA subsidiam seus produtores, o que deprime os preços, arruina os cotonicultores africanos e causa fortes prejuízos aos brasileiros. Por isso, o Brasil entrou com reclamação na OMC e ganhou, mas os EUA recorrerão.
A mensagem de Lamy e o novo plano europeu para o açúcar se cruzam assim: Brasil, Tailândia e Austrália (também grandes produtores de açúcar) entraram com queixa contra os subsídios europeus ao açúcar, em caso que deverá ter uma primeira decisão ainda neste mês, e a sua formalização, em setembro.
A União Européia sabe que vai perder, como os Estados Unidos perderam. Então, antecipa-se, faz sua reforma e deixa os norte-americanos como os grandes vilões.


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