São Paulo, terça-feira, 15 de agosto de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

As discussões no Ministério Público

É interessante tentar entender as raízes dessa guerra entre a área radical do Ministério Público Federal e a procuradora Delza Curvello Rocha -alvo de uma campanha de imprensa, alimentada pela ala mais radical do Ministério Público.
Há três anos, com base na Constituição, a procuradora questionou alguns aspectos da atuação do Ministério Público. O primeiro deles era a posição de colegas seus de que o inquérito policial não deveria passar pelo Judiciário.
A procuradora Delza escreveu artigo dizendo que essa prática feria direitos do cidadão. A passagem pela Justiça é importante porque o juiz pode verificar e corrigir excessos. Sua preocupação não era com os criminosos de colarinho branco -com recursos para pagar advogados- , mas com o pobre.
A segunda tese defendida pela procuradora Delza foi que o Ministério Público não poderia investigar criminalmente. O artigo 147 da Constituição definiu que a atividade investigatória era exclusiva da polícia. E foi adotado pelos constituintes como uma reação aos abusos cometidos no período militar. Na época, cada força tinha seu serviço secreto. Se algum prisioneiro sumia, a família nem sabia por onde começar a busca. O constituinte decidiu que toda investigação deveria ser conduzida pela polícia, porque, em caso de desaparecimento, se saberia de quem cobrar.
A terceira tese da procuradora foi que a Constituição definiu o papel do Ministério Público na atuação de casos em que entrassem os chamados "direitos difusos" do cidadão -aqueles em que não se individualizam responsabilidades nem prejudicados. O ato de improbidade não atinge o direito difuso, mas o direito objetivo -já que existe um culpado e uma vítima. Por isso, segundo a procuradora, não poderia ser investigado em inquérito civil público, que só se presta para ações difusas. Da mesma maneira, de acordo com os preceitos constitucionais, funcionário público tem o direito de responder por suas faltas perante suas instituições. Não poderia responder no Ministério Público.
As três teses resultaram numa ampla pressão interna, culminando em uma tentativa de expulsá-la da associação de classe.
Sua posição era clara: a sociedade tem o direito de debater o tema e até de pretender que o Ministério Público conduza investigações, mas as discussões têm que ser no foro adequado. O que não pode é o Ministério Público decidir por conta própria o que pode ou não pode fazer, atropelando os preceitos constitucionais.
Em lugar de uma discussão sobre o tema, a reação de seus adversários foi pedir seu afastamento da Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público, do pleno do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho Superior do Ministério Público -de onde ela é membro eleita. Delza saiu da Câmara e se candidatou para o Conselho, no qual foi eleita por 30 votos em 45.
Ao apelar para o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana -contra a campanha da qual foi alvo por parte de colegas procuradores e jornalistas-, sua intenção foi levar o tema para a sociedade civil. Lá há a Associação Brasileira de Imprensa, a Ordem dos Advogados do Brasil, e provavelmente o procurador-geral Geraldo Brindeiro não irá fugir de suas responsabilidades (opinião minha, não da procuradora). Pelo menos a sociedade vai ter que dizer o que o Ministério Público pode ou não fazer.
Mulher firme, sem rompantes, a procuradora não está fazendo isso por ela.
Tem conhecidos na área jurídica, tem reputação firmada e como se defender.
Sua intenção é criar um fato que permita à sociedade ficar consciente do que está ocorrendo e ainda vai ocorrer. Hoje o Ministério Público está atrás de prefeitos. Com o poder adquirido, amanha poderá estar atrás dos nossos filhos e de quem eles imaginarem.
A procuradora Delza tem convicção de que trava uma luta pela cidadania. E que, se não forem colocados limites agora, vão ocorrer problemas sérios futuramente.
E-mail - lnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Panorâmica: Bolsas dos EUA sobem com expectativa de que Fed mantenha taxa de juro estável
Próximo Texto: Exportação: Crise da Vasp ajuda país a ter superávit comercial
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.