São Paulo, domingo, 15 de agosto de 2004

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RETOMADA/FUTURO

Para especialistas, desenvolvimento dependerá de infra-estrutura

País terá de investir para obter ganhos concretos da expansão

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

A forte expansão do PIB (Produto Interno Bruto) no primeiro semestre não garante ao país o passaporte para o crescimento sustentado. Tampouco ao desenvolvimento, entendido como o resgate da imensa dívida social acumulada nas últimas décadas.
A taxa de investimento, estimada em 18% do PIB, é insuficiente para manter o ritmo atual da expansão da produção no longo prazo. Economistas de diferentes correntes, empresários e cientistas políticos ouvidos pela Folha dizem que o crescimento sustentado demandará um processo de cinco anos de aportes pesados do Estado e das empresas na ampliação da infra-estrutura e da capacidade produtiva.
A trilha do desenvolvimento, então, está ainda mais longe no horizonte. Para escapar "do abraço do cadáver", como diz o cientista político Fábio Wanderley Reis, 66, serão necessários dez anos de investimentos maciços em educação, saúde e pesquisa e desenvolvimento tecnológico para aumentar a produtividade das empresas. Governo, empresas, setor financeiro, todos têm um papel a cumprir nesse processo. E todos eles estão atrasados.
O economista Gesner Oliveira, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), diz que a taxa de crescimento do "PIB potencial", isto é, a capacidade de produção da economia, é 3% ao ano. "Para o PIB potencial passar para 4%, a taxa de investimento teria de crescer quatro pontos percentuais, chegando a 22% do PIB", diz ele. Mas, segundo Oliveira, para isso o país precisará ter uma estrutura tributária mais racional.
"O crescimento sustentado exige mudanças estruturais e uma postura menos provinciana dos empresários, para que as empresas locais se internacionalizem não apenas via exportações", diz Edson Vaz Musa, dono da Caloi.
Segundo Musa, cerca de 30 empresas, apenas, têm filiais fora do Brasil. "A internacionalização é a melhor locomotiva para a inovação tecnológica, que é o que garantirá o futuro da empresa", diz.

Corte de gastos
Taxas maiores de investimento vão exigir, também, um esforço mobilizador do governo. E aí as opiniões divergem. Para Gabriel Jorge Ferreira, presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, "o governo precisa aprofundar o controle das despesas correntes", para sobrar recursos para investimentos.
Nessa conta estão incluídos os gastos com pessoal, Previdência, assistência social e saúde. "É preciso tratar com mais realismo essas despesas, que representam 90% dos gastos do governo", diz Ferreira. Os cortes permitiriam, segundo ele, uma "blindagem" para evitar os altos e baixos do crescimento econômico.
Mas o crescimento recalcitrante é uma característica da economia brasileira, segundo o economista Fernando Cardim, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). "E a política macroeconômica do governo não ajudava e continua não ajudando", diz o professor.
A manutenção de taxas de juros altas e a meta de superávit primário fixada em 4,25% do PIB constituem impedimentos ao crescimento sustentado, afirma.
A "blindagem" que Cardim sugere para dar sustentação ao crescimento é polêmica. "A retomada dos investimentos públicos, no curto prazo, passa por algum tipo de renegociação da dívida interna", afirma. Segundo o professor, se o governo reduzisse o superávit primário -usado para pagar juros da dívida- para 3,5% do PIB, liberaria R$ 15 bilhões para investimentos. O valor é o triplo do que o governo investirá neste ano.
Segundo Cardim, o governo tem de tomar a iniciativa e não pode ficar esperando que o setor privado invista só com a adoção de medidas pontuais como a recente desoneração tributária dos bens de capital.
"A médio prazo, é preciso criar formas de financiamento privado, pois os bancos não financiam as empresas, e, sim, o governo." Um caminho seria o da securitização de dívidas do setor privado, com a colocação de novos tipos de títulos no mercado, que pagariam juros menores que os dos bancos.

Produtividade
Se o caminho para o crescimento sustentado é polêmico, os rumos do desenvolvimento são um consenso entre os analistas. "Não temos como escapar da herança escravista que sufoca o país e que tem sua tradução na desigualdade social, se não houver um investimento maciço e dramático na educação", afirma o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
A forte correlação entre o conhecimento e o crescimento econômico tem sido subvalorizada no país, segundo o físico Carlos Henrique Brito Cruz, reitor da Unicamp.
Ele diz que é a tecnologia que permitirá ao país avançar. "Quando se decompõe a taxa de crescimento anual de uma economia, verifica-se que um terço dela deriva de produtividade, ou seja, de tecnologia e do conhecimento", diz. O restante vem do capital e da mão-de-obra.
O problema é que o Brasil investe apenas 1,05% do PIB em pesquisa e desenvolvimento -e o Estado responde por 70% desse total. Nos países desenvolvidos e na Ásia, o investimento é de 2,5% ou 3% do PIB, e a proporção é exatamente inversa.

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