São Paulo, domingo, 15 de agosto de 2004

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AVALIAÇÃO

Combinação de alta dívida, problemas sociais e elevado superávit primário pode levar a essa situação, diz economista

Para Davos, dívida pode ser insustentável

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

A dívida brasileira pode, sim, tornar-se insustentável.
Palavra de Augusto López-Claros, economista-chefe do Fórum Econômico Mundial, a instituição que tem status de consultora das Nações Unidas e, todo janeiro, reúne na suíça Davos a nata dos governantes, acadêmicos e homens de negócio do planeta.
O Fórum é tido, por isso, como uma espécie de grande porta-voz da ortodoxia econômico-financeira mundial. Ao reconhecer que a dívida pode se tornar insustentável, López-Claros não está sendo heterodoxo, mas fazendo uma análise fria da realidade, quase científica, ao contrário dos extremos que tratam ou o calote ou o seu inverso como questão de fé.
Como a dívida se torna insustentável? Pela combinação de alto nível de endividamento (raciocínio que vale para Brasil e Argentina, que já está em moratória), do "desconforto da população" e o fato de que o elevado superávit primário necessário para honrar a dívida não deixa recursos para enfrentar problemas sociais.
"Mas é impossível prever se essa situação vai se dar no futuro próximo", diz López-Claros.
Se os juros norte-americanos subirem muito, se o preço do petróleo ficar elevado por um prazo longo, levando o mundo ou à recessão ou à desaceleração da economia, "será mais complicado para Brasil e Argentina", diz o economista-chefe do Fórum.
O economista encara com frieza também o tema da reestruturação da dívida, usando um exemplo concreto, o da Rússia.
Primeiro, diz que a reestruturação nada mais é que "conciliar os interesses do país, que quer proteger ao máximo seus recursos, para investimentos, e dos credores, que querem ficar com a maior parcela possível desses recursos, para honrar a dívida".
No caso da Rússia, chegou-se ao que parecia um bom equilíbrio, na negociação concluída em 2000, depois do "default" de 1998. Mas, daí em diante, o preço do petróleo começou a subir bastante, com o que o acordo acabou sendo "fantasticamente conveniente para a Rússia" (porque entraram mais recursos do que os previstos).
Mas, atenção, López-Claros não vem ao Brasil (chega segunda-feira, junto com o executivo-chefe do Fórum, José Maria Figueres), para recomendar calote, reestruturação ou algo parecido.
Vem discutir o seu trabalho central hoje, que é o ranking de competitividade que o Fórum elabora anualmente.
Nesse ponto, como em tantos outros, o Brasil é o clássico caso de copo meio cheio, meio vazio. Avançou, nos últimos dez anos, em absorção de tecnologia e em investimentos estrangeiros diretos, mas continua com sérios problemas de competitividade, a ponto de figurar apenas no 54º lugar do ranking, embora seja a 15ª economia do planeta.
O grande nó brasileiro está, como ensina o ranking, na macroeconomia. Nas outras duas pernas que compõem a avaliação, o resultado é bom em tecnologia (35º lugar contra 54º no ranking geral) e médio em qualidade das instituições (53º lugar). Mas, em macroeconomia, o Brasil fica em humilhante 75º lugar.
"Se quiser aumentar a competitividade, o Brasil tem que melhorar radicalmente seu manejo macroeconômico e continuar fazendo as boas coisas que está fazendo", diz López-Claros.
No âmbito político, no entanto, a visita dos dirigentes do Fórum será música aos ouvidos do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
José Maria Figueres diz que vem ao Brasil inspirado pelo "desenvolvimento do país, pela liderança que exerce na América Latina e pela liderança brasileira no plano mundial, que se refletiu com toda a clareza e transparência nos casos do açúcar e do algodão e no acordo sobre produtos agrícolas".
É uma alusão às vitórias do Brasil em disputas na OMC sobre açúcar e algodão e ao papel da diplomacia brasileira para destravar a Rodada Doha de liberalização comercial.
De todo modo, os elogios de Figueres ao Brasil não bastam para ocultar as preocupações do público do Fórum (as grandes companhias globais) com, por exemplo, a reação ao que ele chama de "vicissitudes", como o altíssimo preço do petróleo.
As empresas globais estão preocupadas igualmente, relata o executivo-chefe do Fórum, com a discussão em torno das PPP (Parceiras Público-Privadas), paralisadas no Congresso, e com a regulamentação do setor energético.
Mas, pelo que diz Figueres, os renitentes pedidos de paciência do presidente Lula encontram acolhida em Davos. A Folha quis saber dele se era mantida a expectativa global de que Lula seria capaz, a um só tempo, de preservar a estabilidade macroeconômica e enfrentar os problemas sociais.
A primeira parte parece encaminhada. Sobre o social, ele diz: "Sabíamos como é difícil essa tarefa e a estamos acompanhando, com esperança e com paciência".

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