São Paulo, sexta-feira, 15 de agosto de 2008

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

As duas inflações no Brasil


A queda nos preços agrícolas pode levar à falsa impressão de que o BC poderia reduzir a intensidade do ajuste nos juros

REVISITO hoje um tema que tenho abordado com freqüência. A dinâmica dos preços está afetada por duas forças, independentes no curto prazo, mas que interagem em um período mais longo. A primeira força tem sua origem no choque de preços dos produtos agrícolas e dos derivados de petróleo nestes primeiros sete meses do ano.
Esse comportamento está relacionado a um desequilíbrio global causado por dois motivos principais: aumento expressivo da demanda em várias economias emergentes e desajustes na oferta por razões climáticas ou de dificuldades no aumento da produção.
Trata-se, portanto, de uma inflação de demanda em nível global cuja solução não depende de uma ação do Banco Central brasileiro. Quando isso ocorre, a ação da autoridade monetária deve evitar os efeitos secundários desses aumentos de preços. O canal mais importante para que essa contaminação ocorra é o do mercado de trabalho. Se os aumentos provocados por choques externos forem repassados aos salários, eles mudam de dinâmica da inflação e podem criar um aumento generalizado de preços no tecido produtivo.
A segunda força tem outra natureza. Trata-se de uma dinâmica de aumento de preços gerada internamente e relacionada com o rápido aumento da ocupação de fatores de produção nos dois últimos anos. Esse fenômeno ocorre principalmente em setores em que não é possível equilibrar demanda e oferta no médio prazo via importações. Gosto de medir a intensidade desse desequilíbrio no setor da construção civil, no qual a participação dos produtos que não podem ser importados é muito importante. A fotografia que temos hoje mostra, tanto ao nível dos produtos como da utilização da mão-de-obra, esse desequilíbrio e o aparecimento do que se chama de inflação de demanda.
Nos últimos 12 meses, o aumento do índice de preços da construção civil -INCC- foi de 10,4%, sendo que apenas nos materiais os preços aumentaram 11,7%. Para o custo da mão-de-obra, podemos olhar para dois índices: o dos salários de empregados com baixa qualificação, que aumentaram 9,1% nos últimos 12 meses, e o dos trabalhadores com alta qualificação, com um aumento de 10,6% no mesmo período.
Esse comportamento da construção civil também está ocorrendo em outros setores, com aumentos de materiais e, principalmente, do custo da mão-de-obra qualificada correndo bem acima da inflação média.
Se conjugarmos os aumentos de preços derivados dos choques externos com o comportamento aquecido da economia local, teremos uma dinâmica inflacionária que pode ser explosiva. Por isso, a ação do Banco Central tem sido vigorosa, apesar de críticas dentro e fora do governo.
Nas últimas semanas, os preços agrícolas vêm mostrando uma queda expressiva, com alguns deles voltando aos níveis do início do ano. Essa correção abrupta já está chegando aos índices de inflação e pode levar à falsa impressão de que o Banco Central poderia diminuir a intensidade do ajuste de juros. Essa mudança nos preços das commodities é importante para diminuir a probabilidade do cenário mais perigoso em relação à inflação. Mas sobra ainda a busca de um desaquecimento da atividade econômica, para acomodar a inflação interna e permitir que os investimentos e a realocação de mão-de-obra abram espaço para a volta de um período de crescimento mais acelerado. Vale aqui repetir um dito popular para os que criticam o BC: O AFOBADO COME CRU.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC). lcmb2@terra.com.br


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