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MERCOSUL
Jorge Campbell, subsecretário de Relações Econômicas da Argentina, justifica barreiras não-tarifárias
Imitamos o Brasil, afirma argentino
24.jul.98 - Clarin
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Jorge Campbell, subsecretário de Relações Econômicas Internacionais da Argentina |
ANDRÉ SOLIANI
de Buenos Aires
A mais recente estratégia de defesa comercial argentina é inspirada no modelo brasileiro: criar
barreiras não-tarifárias, baseadas
em normas técnicas para a importação de produtos.
"Não podemos ofender nenhum brasileiro dizendo que estamos imitando o Brasil", afirmou um dos principais negociadores argentinos, Jorge Campbell.
A resposta de Campbell, subsecretário de Relações Econômicas
Internacionais do governo argentino para o Mercosul, referia-se à
decisão da Argentina de obrigar
os importadores de sapatos a pedir autorização ao governo, antes
de entrar com o produto no país.
A decisão é justificada pelo controle de qualidade e proteção do
consumidor, mas o diplomata argentino aceita, com ironia, que se
trata de um medida defensiva.
Não conseguiu explicar, no entanto, a incoerência argentina de
adotar licenças não-automáticas,
depois de ter processado o Brasil
no tribunal arbitral do Mercosul,
por estabelecer mecanismos do
mesmo tipo.
Quanto à acusação de que a Argentina quer proteção para os setores atrasados e fomentar o livre
comércio para as indústria na
qual é competitiva, Campbell foi
enfático: "É óbvio. Acontece na
Argentina, no Brasil e nos Estados
Unidos".
Campbell recebeu a Folha no
Ministério de Relações Exteriores,
na última quarta-feira, após a reunião de Montevidéu, no Uruguai,
na qual os países do Mercosul não
conseguiram chegar a nenhum
acordo.
Como um bom diplomata, enxergou o lado positivo: "Os ministros dos países puderam dizer explicitamente que não estavam de
acordo, sem medo de acabar com
o Mercosul. Não é mau estarmos
em desacordo".
A seguir, os principais trechos
da entrevista.
Folha - É preciso esperar o fim
deste governo para retomar as
negociações com o Brasil?
Jorge Campbell - Não. De fato,
as negociações com o Brasil e no
Mercosul não estão interrompidas. Da reunião de Montevidéu
saíram as reuniões de coordenação macroeconômica e monitoramento comercial, marcadas para
a semana que vem. Há certas coisas, no entanto, que sabemos que
vão além do horizonte deste governo.
Folha - Que temas vão levar
mais tempo?
Campbell - Um dos resultados
centrais da reunião de Montevidéu foi ver que os ministros dos
quatro países faziam propostas na
direção de fortalecer o Mercosul.
Mas não entramos num acordo,
pois é uma questão complexa.
Folha - Como desatar o nó do
desacordo?
Campbell - Não é indicado tomar decisões de caráter estrutural
ou fazer diagnósticos de longo
prazo quando se está vivendo
uma conjuntura muito especial.
Há uma tendência a confundir,
sobretudo, se é uma situação negativa.
Nos últimos tempos, a uma situação que já era ruim se somou
um monte de declarações públicas, que não serviram para nada.
Para a trégua, é bom que os argentinos não comprem mais jornais brasileiros e os brasileiros
não comprem mais jornais argentinos pelos próximos 90 dias.
Folha - Os industriais argentinos culpam a desvalorização
brasileira pela recessão e pelo
desemprego. Não é um exagero?
Campbell - Sem dúvida. As cifras mostram que o comércio entre o Brasil e a Argentina começou
a cair em outubro de 98. Essa situação é anterior à desvalorização, o que demonstra que o comércio é muito sensível ao nível
de atividade econômica. Esse é o
problema.
Folha - Então a desvalorização
não é o problema?
Campbell - A desvalorização
explicita que para ter um projeto
de integração profunda e de longo
prazo é preciso ter políticas macroeconômicas convergentes ou,
pelo menos, coordenadas.
Folha - A diplomacia brasileira
reclama da falta de estatísticas
que provem os danos das exportações a determinados setores.
Campbell - Uma coisa é a estatística, outra coisa é a análise. As
estatísticas de comércio dos dois
países são muito parecidas. Para
os produtos mais sensíveis se sabe
exatamente o que se está passando. O Brasil diz que a Argentina
afirma coisas que não pode demonstrar com os números.
Folha - Parece que a Argentina
tem interesse em fomentar a
abertura nos setores em que é
competitiva e usar o protecionismo nos setores em que está
defasada.
Campbell - É óbvio. Acontece
na Argentina, no Brasil e nos
EUA. Um país tem tendência a ter
um discurso muito "free-trade"
para os setores competitivos e um
discurso diferente para os setores
não-competitivos.
Durante o período de adequação para o livre comércio, muitas
coisas que dissemos que íamos fazer não fizemos: coordenação
macroeconômica e de políticas
públicas. Está bem que alguns setores digam: "vocês como governo não fizeram o que prometeram". Está bem que protestem.
Folha - Está bem que o governo responda a esses protestos?
Campbell - A verdade é que o
governo aceita muito poucos. No
caso das salvaguardas de tecidos,
não é um protesto, mas uma apresentação legal, formal. Queira ou
não queira, o governo teria que
aplicar, pois é uma lei. Não é nada
demais que um país trate de proteger, sem que a palavra seja mal-entendida, aos setores menos
competitivos. A discussão é sobre
quais instrumentos usa.
Folha - A nova legislação para
entrada de sapatos, baseada na
lei de defesa do consumidor, é
na verdade uma medida de proteção?
Campbell - Eu poderia dar uma
conferência sobre a importância
que é a etiqueta para os calçados.
Você poderia me escutar com um
sorriso de dúvida e eu teria que
aceitá-lo.
Um dos problemas mais graves
do comércio no mundo, e no
Mercosul, são as normas técnicas.
E, para ser justo, o Brasil tem uma
grande experiência e conhecimento nisso.
Folha - A Argentina está imitando os instrumentos de defesa que usa o Brasil?
Campbell - Se eu fosse brasileiro e me dissessem que a Argentina está imitando o Brasil deveria
me sentir orgulhoso. Não podemos ofender nenhum brasileiro
dizendo que estamos imitando o
Brasil. A Argentina e o Brasil precisam trabalhar mais em temas de
regulamento técnico. Senão vamos ter tarifas zero e 2 milhões de
barreiras técnicas.
Folha - Não é incoerente que a
Argentina decida adotar licenças não-automáticas contra sapatos brasileiros, depois de ter
levado o Brasil ao tribunal arbitral do Mercosul, porque o Brasil havia adotado licenças não-automáticas?
Campbell - A decisão do tribunal foi clara. Estão proibidas as licenças não-automáticas, mas
existe a permissão para adotá-las
até 31 de dezembro deste ano.
Folha - Sim, mas do ponto de
vista de coerência?
Campbell - A próxima pergunta, por favor.
Folha - Alguns analistas afirmam que é preciso voltar atrás
com o Mercosul e propor uma
integração menos ambiciosa.
Campbell - No meio intelectual
se propôs substituir a união aduaneira por uma zona de livre comércio. Do ponto de vista técnico
é um erro. Do ponto de vista político, desacertado.
Muitos comparam o Mercosul
com um ideal intelectual. Se comparado contra esse ideal, o Mercosul é uma porcaria. O Mercosul
não é um exercício intelectual,
mas um exercício de política real.
O Mercosul é o que nossos países
são. Nunca será mais sério ou
mais ordenado.
Folha - Depois de Montevidéu,
pela primeira vez parece que se
admitiu que o Mercosul pode
acabar, caso os países não avancem.
Campbell - Se essa é uma conclusão, é boa, pois obriga os países
a levar a sério o debate. Há outra
conclusão: os ministros dos países puderam dizer explicitamente
que não estavam de acordo, sem
medo de acabar com o Mercosul.
Não é mau estarmos em desacordo.
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