São Paulo, quarta, 15 de outubro de 1997.




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ARTIGO
"Disclosure" às avessas

HOMERO AMARAL JÚNIOR
e GREGORIO MANCEBO RODRIGUEZ

Companhia de capital aberto é aquela cujos valores mobiliários são objeto de colocação e negociação pública junto ao mercado de capitais, após registro na CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Entre os principais títulos, temos as ações, admitidas para negociação nas Bolsas de Valores, e as debêntures, no mercado de balcão.
É dever do acionista majoritário de uma companhia aberta, seja uma empresa controlada por capitais privados ou de economia mista, atender às normas legais quanto à publicação de demonstrativos financeiros e ao encaminhamento para a CVM e as Bolsas das informações que possam interferir na formação do preço do papel no mercado. Ele deve ainda ter como prática uma saudável política de distribuição de dividendos e a realização de reuniões periódicas com os analistas, ou seja, uma boa política de "disclosure".
No caso do mercado de capitais brasileiro, já altamente concentrado, a falta de "disclosure" é um dos principais aspectos que influem na perda da liquidez da maioria dos papéis, levando à concentração exatamente naqueles mais líquidos.
Os setores de telecomunicações e energia elétrica, capitaneados pelas ações da Telebrás e da Eletrobrás, concentram atualmente cerca de 80% do volume das ações negociadas nas Bolsas, constituindo-se no principal foco de atenção dos investidores nacionais e internacionais.
O descaso e a forma como o governo vem divulgando as decisões relativas às privatizações das empresas desses setores vêm se constituindo num desrespeito ao acionista minoritário. O governo, como acionista majoritário, vem realizando um "disclosure às avessas", criando incertezas e gerando movimentos especulativos que arranham a imagem das empresas e do país.
O simples anúncio de privatização de empresas, sem os devidos esclarecimentos quanto à estrutura futura que elas terão ou à forma como se realizará esse processo, contribui ainda mais para gerar um clima de incerteza e especulações.
Isso mostra uma postura inadequada das nossas autoridades, principalmente com a política de divulgar pela imprensa, a "conta-gotas", informações truncadas que afetam a formação do preço das ações em Bolsa, causando sérios prejuízos aos investidores.
As empresas serão cindidas, incorporadas ou fundidas? Qual será a estrutura futura das atuais holdings? Cabe lembrar que tanto a Telebrás como a Eletrobrás passarão a atuar como holdings puras, perdendo a contribuição da rentabilidade obtida pela geração e distribuição da energia elétrica.
No caso da Telebrás, temos como provável a concentração das empresas estaduais em três (ou serão cinco, ou ainda nove? Quem sabe sejam 13?), que posteriormente seriam objeto de privatização, total ou parcialmente. De qualquer forma, a receita futura da Telebrás estará também bastante comprometida.
Obviamente, o programa de desestatização, principalmente no que tange aos setores de telecomunicações e elétrico, deve continuar comandando os humores do nosso mercado acionário.
Assim, compete ao governo, como acionista majoritário, e ao BNDES, como gestor do Programa Nacional de Desestatização, dar os devidos esclarecimentos sobre o processo ou apenas se manifestar quando for possível. Utilizar-se convenientemente do "disclosure", possibilitando a todos os investidores, independente do seu porte e importância, o acesso às informações necessárias, a fim de que se possam avaliar convenientemente o risco e o retorno do investimento.
Consideramos que a CVM, como órgão regulador, deve tomar conhecimento prévio do que se pretende realizar e até contribuir para aparar arestas que possam retardar o processo de privatização.
No entanto, com relação às empresas abertas de economia mista controladas pelo governo, seria extremamente importante que a divulgação do programa de privatização desses setores fosse feita prioritariamente no Brasil, já que as Bolsas brasileiras são os centros formadores dos preços dessas ações. Pode-se admitir, em última instância, uma divulgação simultânea no país e no exterior.
Por parte das empresas, esperamos que sejam publicados na forma de "fato relevante" os possíveis efeitos, não deixando seus acionistas à mercê das especulações.
O investidor necessita de informações claras e precisas sobre o processo de privatização e suas consequências. Se essas informações não foram devidamente discutidas ou se não existe consenso a respeito do processo, a melhor postura por parte das autoridades é não divulgar informações truncadas ou imprecisas, que aumentam ainda mais a volatilidade das ações e o risco de o investidor se aplicar no mercado.


Homero Amaral Júnior, 51, é presidente da Ancor (Associação Nacional das Corretoras de Valores).
Gregorio Mancebo Rodriguez, 45, é presidente da Abamec (Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais) nacional.



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