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LUÍS NASSIF
Pensando no 2º tempo
O clima que toma conta do
país, hoje, não é simplesmente a euforia pré-eleitoral de
outras eleições. É um corte, com
poucos paralelos na história recente do país. Ocorreu algo parecido no começo da chamada Nova República, mas sem um décimo da intensidade do momento
atual.
Não se trata de uma manifestação restrita a grupos organizados, mas uma catarse que está
perpassando o país em todos os
níveis, ante a possibilidade de
mudança da estrutura de poder.
É momento mágico, historicamente relevante, mas politicamente perigoso, porque pressupõe uma travessia delicada até a
outra margem do rio, que exigirá, mais do que nunca, coragem
e lucidez da parte das lideranças
maiores do país -das novas e
das atuais.
Nos próximos meses, a mudança no sistema de poder deflagrará dois processos que se afetarão
mutuamente. No campo da alta
política, haverá a formação de
blocos de coalizão, pactos e compromissos mútuos. O risco maior
não reside aí, mas quando se desce para outras áreas, menos organizadas e disciplinadas e,
principalmente, para o cidadão
comum.
Terminadas as eleições, haverá
meses de libação, a desforra de
todas as decepções dos últimos
anos. Não é um processo que se
esgota no próprio período eleitoral, quando se tem o culpado a
ser derrotado, o presidente da
República, e é mais psicológico
do que político.
O clima que está se formando
vai além das eleições e não se dissipará seja qual for o candidato
eleito.
A desforra não é simplesmente
contra um modelo econômico
equivocado, ou contra um governo que sai. É um sentimento difuso, em que todas as frustrações
virão à tona quando se criar o
vácuo psicológico de poder, o período que vai da saída de um poder até a consolidação de outro.
Nesse período, não há definições sobre cargos e questões, não
se tem o perfil do governo, não se
tem a autoridade investida do
formalismo do cargo. É nessas
ocasiões que o cão aparece, que a
sociedade perde os freios, que os
piores instintos vêm à tona, misturando vendeta e frustrações,
facilitando as explosões de linchamento.
Essa disputa se dará em todos
os níveis, no âmbito das universidades, das repartições públicas,
na desforra pessoal. Já investi
aqui contra muitas formas de
linchamento, em episódios jornalísticos específicos. Agora, o
que estará em jogo não serão discussões sobre "pataxós" e "Escolas Bases", mas o próprio destino
individual das pessoas -algo
muito mais fluido e difícil de
atender do que os destinos do
país.
Nem se pense que essa situação
se resolva com a eleição do candidato A ou B. É uma travessia
inevitável para a nova ordem
-que nem se sabe qual será-,
mas que terá que ser conduzida
com muito cuidado. Passado o
porre com a mudança, a ficha
começará a cair. Se verá que a situação continuará a mesma, que
o desconforto não desaparecerá.
É nesse momento que as lideranças políticas terão que agir
com muita energia. De sua legitimidade dependerá a manutenção da estabilidade e a travessia
segura. E aí se verá, plenamente,
a importância das medidas coerentes, da união política, da racionalidade econômica. Se se
perde a legitimidade, ocorre o estouro da boiada.
Uma das formas de atuação
política será no campo ritual, os
encontros públicos entre líderes,
a formalização pública de solidariedade contra a crise, a presença constante na televisão, a
criação de eventos que demonstrem coesão política, união, compromisso de mudar -mesmo
que não tragam resultados de
curto prazo ou até mesmo que
sejam inócuos. Reforma tributária tem importância ritual maior
até do que sua importância econômica.
Uma segunda linha de atuação
será impor disciplina severa às libações inevitáveis de terceiro e
quarto escalões, que tentarão se
valer do momento para acerto de
contas. Esses porres não duram
muito, mas não podem deixar
sequelas. Caso contrário, o país
rachará ao meio e, ao primeiro
sinal de enfraquecimento do novo governo, o exporá às represálias dos que se sentirem atingidos
no primeiro tempo.
As lideranças petistas parecem
ter clareza sobre o processo. Mas
terão que dispor de um plano de
contingência para evitar uma
noite de são Bartolomeu. Sob o
risco de se expor às intempéries
do segundo tempo.
E-mail -
LNassif@uol.com.br
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