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São Paulo, sábado, 15 de novembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

A cenoura e o porrete contra os cartéis

GESNER OLIVEIRA

O governo anunciou nesta semana dois instrumentos úteis para combater o que há de pior para o consumidor: a formação de cartéis. O secretário de Direito Econômico, Daniel Goldberg, acenou com a possibilidade de dar atestados de bom comportamento no mercado. Ao mesmo tempo, quem pratica cartel corre maior risco de ser delatado mediante os chamados acordos de leniência.
O cartel constitui falta grave no jogo do mercado. É infração para cartão vermelho. Uma venda casada ou uma discriminação de preços podem representar faltas menores, para cartão amarelo. Ou mesmo aceitáveis em determinadas circunstâncias, desde que justificáveis do ponto de vista econômico. É como o impedimento em futebol, que admite diferentes interpretações por parte do árbitro. Se um jogador estiver à frente da linha de zagueiros por ocasião do lançamento, mas não tiver participação ativa na jogada, não há impedimento.
O cartel é diferente. Trata-se de acordo de preços, controle das quantidades ou de divisão de mercado entre empresas concorrentes, transferindo renda dos consumidores para os organizadores do cartel. O consumidor sai sempre perdendo. E o contribuinte também, quando se trata de cartéis em licitações públicas, nas quais os participantes acertam o preço nos bastidores e o Estado paga mais caro do que deveria pela compra de bens e serviços.
A tentação de fazer cartel nasceu com a economia de mercado. Os lucros potenciais são elevados, e a chance de ser pego costuma (ou costumava) ser reduzida. É como aquele empurra-empurra na área antes do escanteio. Como os juízes não têm coragem de marcar pênalti ou não conseguem acompanhar todos os lances, a pancadaria corre solta ao arrepio das regras da Fifa.
A formação de cartéis é ainda mais frequente em países em desenvolvimento. Isso porque as legislações antitruste são mais brandas e a cultura de concorrência é menos desenvolvida. Em países com formações históricas tão distintas quanto a Malásia, a Polônia e o Brasil, foi o próprio Estado que educou gerações de empresários para a organização de cartéis, fixando preços e estabelecendo cotas de produção.
A exemplo daquilo que já existe em áreas como a de ambiente, o secretário da SDE lançou a proposta de "ISO antitruste", que consistiria em uma certificação de qualidade para empresas que cumprem integralmente as regras de mercado. Essa é a cenoura.
Trata-se de proposta positiva que tem gerado bons resultados em outros países e que está em linha com programas que vários grupos já estão realizando no Brasil. A imagem e o valor da empresa podem melhorar em virtude de sinalização desse tipo, uma espécie de selo verde da concorrência.
Por sua vez, a legislação brasileira já contém o porrete. Além das multas, que podem chegar a até 30% do faturamento (ou 60% em caso de reincidência), a lei 10.149 de 2000 contém estímulo à delação de esquemas de cartel. O delator pode obter a extinção da ação punitiva ou uma redução da pena. Mas a estréia do acordo de leniência só ocorreu neste governo com a recente ação contra suposto cartel de empresas de segurança do Rio Grande do Sul, no mês passado.
O acordo de leniência ataca o ponto fraco do cartel: a propensão natural de seus participantes de romper o acordo. O participante do cartel é como o escorpião: trair faz parte de sua natureza. Pois furar o cartel constitui oportunidade de ouro para não elevar o preço (ou elevá-lo menos do que os concorrentes) e abocanhar boa parte da clientela.
O acordo de leniência oferece mais uma boa razão para trair. E trair rápido, pois a lei só prevê isenção para quem buscar a autoridade em primeiro lugar. Por sua vez, a colaboração de pessoas de dentro facilita a obtenção de provas detalhadas, aumentando as chances de condenação.
O combate aos cartéis começou bem em 2003, em contraste com a lentidão e a ausência de programa de tantas outras áreas do governo Lula.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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