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OPINIÃO ECONÔMICA
A cenoura e o porrete contra os cartéis
GESNER OLIVEIRA
O governo anunciou nesta
semana dois instrumentos
úteis para combater o que há de
pior para o consumidor: a formação de cartéis. O secretário de Direito Econômico, Daniel Goldberg, acenou com a possibilidade
de dar atestados de bom comportamento no mercado. Ao mesmo
tempo, quem pratica cartel corre
maior risco de ser delatado mediante os chamados acordos de
leniência.
O cartel constitui falta grave no
jogo do mercado. É infração para
cartão vermelho. Uma venda casada ou uma discriminação de
preços podem representar faltas
menores, para cartão amarelo.
Ou mesmo aceitáveis em determinadas circunstâncias, desde
que justificáveis do ponto de vista
econômico. É como o impedimento em futebol, que admite diferentes interpretações por parte
do árbitro. Se um jogador estiver
à frente da linha de zagueiros por
ocasião do lançamento, mas não
tiver participação ativa na jogada, não há impedimento.
O cartel é diferente. Trata-se de
acordo de preços, controle das
quantidades ou de divisão de
mercado entre empresas concorrentes, transferindo renda dos
consumidores para os organizadores do cartel. O consumidor sai
sempre perdendo. E o contribuinte também, quando se trata de
cartéis em licitações públicas, nas
quais os participantes acertam o
preço nos bastidores e o Estado
paga mais caro do que deveria
pela compra de bens e serviços.
A tentação de fazer cartel nasceu com a economia de mercado.
Os lucros potenciais são elevados,
e a chance de ser pego costuma
(ou costumava) ser reduzida. É
como aquele empurra-empurra
na área antes do escanteio. Como
os juízes não têm coragem de
marcar pênalti ou não conseguem acompanhar todos os lances, a pancadaria corre solta ao
arrepio das regras da Fifa.
A formação de cartéis é ainda
mais frequente em países em desenvolvimento. Isso porque as legislações antitruste são mais
brandas e a cultura de concorrência é menos desenvolvida. Em
países com formações históricas
tão distintas quanto a Malásia, a
Polônia e o Brasil, foi o próprio
Estado que educou gerações de
empresários para a organização
de cartéis, fixando preços e estabelecendo cotas de produção.
A exemplo daquilo que já existe
em áreas como a de ambiente, o
secretário da SDE lançou a proposta de "ISO antitruste", que
consistiria em uma certificação
de qualidade para empresas que
cumprem integralmente as regras de mercado. Essa é a cenoura.
Trata-se de proposta positiva
que tem gerado bons resultados
em outros países e que está em linha com programas que vários
grupos já estão realizando no
Brasil. A imagem e o valor da empresa podem melhorar em virtude de sinalização desse tipo, uma
espécie de selo verde da concorrência.
Por sua vez, a legislação brasileira já contém o porrete. Além
das multas, que podem chegar a
até 30% do faturamento (ou 60%
em caso de reincidência), a lei
10.149 de 2000 contém estímulo à
delação de esquemas de cartel. O
delator pode obter a extinção da
ação punitiva ou uma redução
da pena. Mas a estréia do acordo
de leniência só ocorreu neste governo com a recente ação contra
suposto cartel de empresas de segurança do Rio Grande do Sul,
no mês passado.
O acordo de leniência ataca o
ponto fraco do cartel: a propensão natural de seus participantes
de romper o acordo. O participante do cartel é como o escorpião: trair faz parte de sua natureza. Pois furar o cartel constitui
oportunidade de ouro para não
elevar o preço (ou elevá-lo menos
do que os concorrentes) e abocanhar boa parte da clientela.
O acordo de leniência oferece
mais uma boa razão para trair. E
trair rápido, pois a lei só prevê
isenção para quem buscar a autoridade em primeiro lugar. Por
sua vez, a colaboração de pessoas
de dentro facilita a obtenção de
provas detalhadas, aumentando
as chances de condenação.
O combate aos cartéis começou
bem em 2003, em contraste com a
lentidão e a ausência de programa de tantas outras áreas do governo Lula.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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