|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Modelo de banco precisa ter mudanças, diz Nobel
Prêmio Nobel da Paz, Muhammad Yunus diz que os bancos têm incluir os mais pobres
Economista é cauteloso sobre o Bolsa Família, diz que a crise não afeta com força o microcrédito e defende mais voz aos emergentes no G20
MAURÍCIO MORAES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Muhammad Yunus em nada
lembra um banqueiro tradicional. Prêmio Nobel da Paz em
2006, o economista de Bangladesh facilmente seria apontado
como sendo do tipo zen. Ph.D
em Economia e criador do conceito de microcrédito nos anos
70, foi fundador, em 1983, do
banco Grameen, que concede
empréstimos sem fiador aos
mais pobres.
O "banqueiro dos pobres",
como é conhecido, defende
uma atuação mais abrangente e
inclusiva dos bancos e propõe,
diante da crise mundial, uma
reestruturação do sistema bancário e financeiro, com a atuação dos emergentes como o
Brasil. Yunus, 68, passou menos de dois dias em São Paulo,
nesta semana. Esteve na feira
ExpoManagment, onde lançou
o livro "Um Mundo sem Pobreza - A Empresa Social e o Futuro do Capitalismo" (Ed. Ática).
O economista, um capitalista
assumido (embora o sistema
esteja "pela metade", diz) é cauteloso sobre programas de distribuição de renda como o Bolsa Família. "Uma coisa importante a lembrar é que isso não
pode ser tornar algo permanente", afirma.
FOLHA - No Brasil, há um ditado
que diz que mais bombástico que o
fechamento de um banco é a abertura de um novo. Isso é baseado em
suposta idéia de que os bancos são
maus. O sr. concorda?
MUHAMMAD YUNUS - Os serviços
financeiros são muito importantes. O dinheiro dá o direito à
posse. Quando você tem dinheiro na sua mão, você controla os recursos. E isso é dado
pelo que chamamos "banco". E
o banco vai decidir a quem dar
esse poder. E isso é um tremendo poder. Ter o poder de dar o
poder. O Grameen decidiu dar
o poder a quem não tinha poder
e isso faz toda a diferença.
Antes se dizia que isso era
impossível, mas nós fizemos
-dar crédito aos rejeitados pelo sistema. E isso vai contra as
convenções do sistema financeiro. É um bom tempo para
pensar no desenho de todo o
sistema.
FOLHA - E o sr. acredita que os bancos estão preparados a dar "poder"
aos que não têm "poder"?
YUNUS - A questão não é a impossibilidade de dar mais poder
aos pobres. Simplesmente, o
que se pensa é que esse poder
não pode ser dado a eles [os
mais pobres]. Nós mostramos
que isso é possível. A questão é
reorganizar o sistema financeiro para que isso seja possível.
FOLHA - Um dos princípios do banco Grameen é dar empréstimos sem
garantia. É um sistema baseado na
confiança. Foi justamente aí que se
deu o estopim da atual crise. Foram
dados muitos empréstimos sem garantia no mercado imobiliário americano e a confiança evaporou. Como esta crise poderia afetar o Grameen e o sistema de microcrédito?
YUNUS - Todo o colapso aconteceu porque o sistema financeiro continuou a criar castelos
de areia. Ficou longe da realidade. Quando uma parte desse
sistema quebra, tudo entra em
colapso. O microcrédito é muito próximo à terra firme. Quando nós emprestamos dinheiro a
uma mulher pobre para comprar uma vaca, você sabe que
por trás daqueles US$ 200 há
uma vaca. Nesse sentido, o microcrédito não está sendo afetado. Mas poderia ser afetado
de forma indireta. Quando o
sistema financeiro quebra, os
ricos perdem muito dinheiro.
Mas há ainda muita sobra. Já os
pobres, se perdem seus empregos com a economia em desaceleração, sofrem com o colapso.
São os 3 bilhões mais pobres
que mais sofrem, não o cara que
tinha US$ 1 bilhão e perdeu a
metade. Quando a economia se
desacelera, os empréstimos do
sistema de microcrédito podem, então, ter dificuldades
porque eles [tomadores de crédito] não conseguem vender
seus produtos [financiados],
porque ninguém tem dinheiro
para comprar. Nesses termos, o
sistema de microcrédito pode
ser afetado, mas do lado institucional vai bem.
FOLHA - Muito da boa performance da economia brasileira é explicada pela expansão do crédito. Qual
papel o microcrédito desempenha
no Brasil?
YUNUS - Há, provavelmente,
milhões de pessoas no Brasil
que não têm acesso ao crédito.
Então, o microcrédito é necessário. É um sistema que funciona para todo mundo, nas mais
remotas áreas, aos mais pobres.
FOLHA - O que o sr. acha de programas de distribuição de renda, como
o Bolsa Família?
YUNUS - Há muitas justificativas para tais programas. Há entre as condições a exigência de
mandar os filhos para a escola,
mas ainda assim é uma distribuição livre [de recursos]. Em
certas circunstâncias, é necessária. Uma coisa importante a
lembrar é que isso não pode ser
tornar algo permanente. A intenção é fazer com que as pessoas saiam daquela situação.
Mas, às vezes, todo mundo vem
para o palco, mas não se qualifica, mesmo com a disponibilidade de dinheiro. Então, à medida
que isso inclua as pessoas no
sistema, isso é bom. Mas, se isso
é esquecido, não é um bom programa.
FOLHA - Os bancos cumprem um
papel preponderante no capitalismo. O sr. já disse que é tempo de
mudança. Nós precisamos de um
novo capitalismo? Como seria?
YUNUS - Há um grande buraco
no sistema, que é baseado numa visão muito estreita da humanidade. Foi por isso que nós
criamos esta crise tremenda.
Nós usamos o mercado como
um cassino de apostas. Atualmente, é incluída apenas parte
dos seres humanos e assim se
constrói todo um sistema. A definição de negócio no capitalismo é fazer dinheiro. Isso dá aos
seres humanos a função de fazer dinheiro. Mas as pessoas
não são máquinas. Eu diria que
o capitalismo é um sistema ainda pela metade. Se você completar, terá algo muito melhor,
algo que eu chamaria de um capitalismo mais completo, mais
equilibrado.
FOLHA - O G20 está tentando estabelecer uma nova agenda econômica global. O sr. acha que as coisas podem realmente mudar?
YUNUS - A questão não é se pode mudar. Tem de mudar. O
mundo mudou muito desde
que este sistema foi criado (em
1944, em Bretton Woods). O
centro de poder do mundo está
em mãos de poucas nações. A
China, por exemplo, não é a
mesma de 60 anos atrás, assim
como a Índia e o Brasil. Então,
nós precisamos alargar essa nova ordem econômica mundial.
E não é uma questão apenas de
voz, mas de realidade. Há que
incluir as grandes economias
como a China, a Índia e o Brasil
para que a ordem funcione. Todos os jogadores importantes
têm de participar do jogo.
FOLHA - O sr. foi pioneiro ao conceder crédito aos mais pobres. Na
atual crise, o que se vê é o dinheiro
saindo dos países pobres e indo para
a segurança dos títulos do Tesouro
dos EUA. O mundo também precisa
de um "banco Grameen" para os
países pobres? E o FMI, como vai?
YUNUS - [Risos] Até os países
ricos precisam de um Grameen. Globalmente, o FMI
[criado em Bretton Woods] se
apóia num conceito desenvolvido no pós-guerra. Tudo mudou. Então, uma edição 2008
do FMI precisa ser criada. Se
algo não funciona, é preciso redesenhar, no caso, um novo sistema global.
Texto Anterior: Energia: Ibama ainda não concluiu licença de Jirau Próximo Texto: Frases Índice
|