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São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2003

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SALTO NO ESCURO

Controle do governo afasta investidores

Novo modelo inviabiliza tarifas mais baixas, diz ex-secretário

DA REPORTAGEM LOCAL

Um dos idealizadores do modelo ainda em vigor para o setor elétrico, pensado durante o governo FHC (1995-2002), o hoje consultor independente Peter Greiner definitivamente desaprova as novas regras anunciadas na semana passada pelo presidente Lula.
Para Greiner, 63, o novo modelo não garantirá a competitividade do mercado ou a redução de tarifas no curto prazo e deve afastar investimentos, já que o poder público, a seu ver, vai controlar excessivamente o setor.
Secretário nacional de Energia de 1994 a 1999, o engenheiro hidráulico condenou as críticas do novo governo ao modelo que ajudou a idealizar, no qual a privatização de distribuidoras de energia foi parte importante.
"Quem não tem o diagnóstico provavelmente vai errar na solução", afirmou. A seguir, trechos da entrevista com Greiner.
(MAELI PRADO)  

Folha - Qual a sua opinião a respeito do novo modelo do setor elétrico anunciado pelo governo Lula? Peter Greiner - Eu antipatizo demais com essa posição de dizer que está vindo um novo modelo porque o modelo anterior não funcionou. Na verdade, o modelo que foi idealizado no primeiro mandato do governo FHC nem chegou a ser implementado. Sem a privatização de boa parte das geradoras de energia nunca haverá competição. Ora, a geração até hoje é 80% estatal. Se não houver privatização de pelo menos 60% da geração, não haverá um mercado competitivo. A condenação que o governo do PT faz [ao modelo anterior] é baseada em várias pontos errados: de que o modelo foi implementado e não funcionou, o que é errado, pois apenas os primeiros passos foram implantados, e, segundo, que foi responsável pela crise energética, o que também não é verdade.

Folha - A privatização não teve parcela de culpa no racionamento de energia? Greiner - Não. De 1990 a 1994, acrescentava-se ao sistema uma oferta de 1.000 megawatts por ano. De 1995 a 1998, quando se começou a implementar o modelo, a média foi elevada para 1.800 megawatts. Como dizer que esse modelo é responsável por falta de energia? Quem não sabe as origens do problema não tem o diagnóstico e vai errar na solução.

Folha - O que o senhor achou da separação entre mercado livre e regulado, prevista no novo modelo? Greiner - O mercado livre [onde grandes consumidores industriais devem comprar diretamente de geradoras] é apenas um apêndice. Não é uma parte realmente importante do novo modelo, que é basicamente de mercado cativo, regulado. Isso afasta investimentos, porque o capital tem medo de manipulação do governo. Um mercado competitivo, quando bem organizado, é a melhor saída. Mas essas medidas provisórias estão incompletas. Ainda não há uma regulamentação detalhada nesse sentido, não dá para saber ainda qual a estrutura de cada organismo, como serão os contratos. E o preço para as distribuidoras já vem pré-determinado. Isso é competição?

Folha - Com o novo modelo, as tarifas devem baixar ao consumidor? Greiner - Não. A curto prazo não há possibilidade de as tarifas baixarem porque as empresas estão com estrutura financeira instável, muito endividadas, e nossos juros ainda são altos. Se governo insistir em baixar tarifas nessas condições, ou vai fazer com que essas empresas peçam falência ou amanhã vai precisar entrar e ajudá-las. A médio e longo prazo, as tarifas também dificilmente serão reduzidas. Isso porque o discurso do governo é de que está abrindo o mercado, mas, na realidade, está fazendo de tudo para controlá-lo. Nesse tipo de situação, o capital privado pratica juros maiores, por causa do risco político, e isso encarece a tarifa. Outra questão é que hoje a energia carrega de 40% a 60% de impostos. Não há como garantir tarifas mais baixas sem tratar dessa questão de tributos e taxas de recolhimento. Isso não está sendo tratado pelo governo.


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