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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Sem saber para onde ir
A necessidade de manter o nível de receita tributária coloca um limite claro no volume de renúncia fiscal
ESTAMOS assistindo a um verdadeiro espetáculo de improvisações em relação à política
econômica para o segundo mandato
de Lula. Não passa um dia sem que
alguma medida seja lançada como
balão de ensaio por membros da
equipe econômica. São sempre medidas pontuais, sem nenhuma
amarração mais consistente, e quase sempre criando alguma renúncia
fiscal localizada. Com isso, abriu-se
a temporada de pressões, legítimas
ou ilegítimas, por concessões do governo. O presidente da República,
por sua vez, faz sua parte nesse verdadeiro teatro de variedades, anunciando metas de crescimento inviáveis e sem nenhuma ligação mais racional com a ação de seus ministros.
Para navegar nessa verdadeira
terra do nunca que se transformou o
Brasil, é preciso método e disciplina.
É o que pretendo fazer hoje. Afinal,
antes de saber o que Lula fará, talvez
um bom ponto de partida seja considerar o que ele não teria coragem de
fazer. Um primeiro passo nessa direção é a identificação das cláusulas
pétreas dessa confusa macroeconomia da pobreza da era Lula. O presidente pode ser confuso nas suas
idéias econômicas, mas é um especialista na condução da política no
Brasil de hoje. E ele sabe que a estabilidade macroeconômica e um mínimo de crescimento nos próximos
quatro anos são condições necessárias para o relativo sucesso do segundo mandato. Se algum dia Lula e
o PT foram revolucionários, definitivamente viraram establishment.
As medidas que comporão o plano
de crescimento estarão condicionadas por esses valores da estratégia de
Lula. Portanto esse é um filtro eficiente para separar o joio do trigo de
todos esses balões de ensaio que cobrem os céus de Brasília. Dito isso,
podemos citar alguns passos que
certamente serão seguidos por Lula.
O principal deles será a manutenção da independência operacional
do BC, que terá liberdade de ação na
manutenção da inflação por volta de
4% ao ano. Nesse campo, a racionalidade domina e devemos ter a Selic
média de 12% em 2007 -taxa real
de juros de 8% ao ano. Finalmente
nos livramos do fantasma dos juros
reais de 10% ao ano como nível mínimo compatível com o controle da
inflação, que era sempre lembrado
por aqueles que queriam justificar
os juros elevados no país. Felizmente, esse fantasma deve estar guardado no armário do departamento de
economia de alguma universidade.
Em segundo lugar, o governo disporá de espaço fiscal em 2007, resultante da redução de 1,5% do PIB das
despesas de juros. Lula usará o espaço fiscal, mas não deve quebrar limites que comprometam os pilares de
sua popularidade, principalmente a
inflação baixa. A questão é como esse espaço será usado. Se, como espero, o governo não entrar em delírio e
não promover uma farra fiscal, o déficit nominal nos quatro anos do segundo mandato poderá ser estabilizado entre 1% e 2% do PIB. Nesse
cenário, e com a redução gradual do
juro real, a relação dívida/PIB pode
chegar a menos de 40% até 2010.
Mas condição crítica para a obtenção desse objetivo é a manutenção
do nível de arrecadação de impostos, o que coloca um limite claro no
volume de renúncia fiscal que o governo pode definir no seu mirabolante Plano de Desenvolvimento.
Além disso, esse quadro fiscal foi
construído considerando a manutenção dos investimentos públicos
no nível atual de 0,7%, insuficiente
para um programa de melhoria de
infra-estrutura que permita alguma
aceleração do crescimento. Para que
isso ocorresse, o governo precisaria
aumentar seus investimentos, diretos ou por meio das estatais, para
cerca de 2% do PIB ao longo dos próximos anos. O problema é que, sem
um esforço sério no sentido de redução das outras despesas, tal iniciativa dobraria o déficit nominal, o que
reforça nossa conclusão sobre os limites para cortes de impostos.
Uma alternativa mais eficiente seria realizar parte dos investimentos
em infra-estrutura via iniciativa privada. Mas, para isso, Lula teria de
encontrar um discurso para reverter o violento ataque ao programa de
privatização de FHC. Como sabemos que esse tipo de movimento
não é obstáculo para o ocupante do
Planalto, é possível que privatizações travestidas de alguma figura de
linguagem venham a acontecer.
Resumo da ópera: não devemos
esperar nenhuma alteração dramática da política econômica atual, mas
estejamos preparados para mais
uma enxurrada de promessas e figuras de linguagem do nosso falante
presidente da República.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e
economista, é economista-chefe da Quest Investimentos.
Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC).
lcmb2@terra.com.br
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