São Paulo, quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VINICIUS TORRES FREIRE

A crise desce para a rua

Mercado se alarma com calotes crescentes do cidadão comum; bancos como o Citi perdem fôlego para emprestar

"AS COISAS podem ficar ainda piores, sob certas circunstâncias", disse ontem o principal executivo financeiro do Citigroup. Bem, o Citi teve prejuízo de US$ 10 bilhões no trimestre.
Admitiu que perdeu mais US$ 18 bilhões com papéis cuja renda dependia de pagamentos de prestações imobiliárias. Cortou os dividendos de seus acionistas em 40%. Seu capital se esvai, o que levou o grupo a buscar mais sócios e a levantar US$ 12,5 bilhões. O que pode ser pior?
Antes de mais nada, no balanço do Citi ainda há cerca de US$ 30 bilhões em papéis lastreados em hipotecas de alto risco e que ainda não foram dados como perdidos. O que pode ser ainda pior, talvez, seja o fato de que o consumidor americano ponha a língua para fora. Deixa de pagar cartão de crédito, empréstimos pessoais e prestação do carro.
Executivos do Citi diziam ontem que isso é reflexo da queda do valor dos imóveis, que provocou o fechamento da grande "linha de crédito" que permitia a americanos gastar além da conta ou rolar dívidas. Antes da crise, com preços de imóveis em alta e juros baixos, americanos tomavam crédito garantido pelo valor de suas casas ou faziam dinheiro refinanciando seus imóveis. Os juros subiram, o valor das casas está em baixa recorde: secou o "cheque especial" lastreado no valor do imóvel. A conta estourou no cartão de crédito e faltou dinheiro para o carro.
Não se trata bem de novidade. No terceiro trimestre de 2007, o alarme havia tocado no Bank of America e no Wachovia: o nível de calote já subia devido a redução da renda, subemprego, dívidas pessoais em excesso e desemprego. Sim, confirma-se que a crise chegou à rua e que o sistema bancário americano está sem gás para financiar a economia. Explicita-se um círculo vicioso.
Para reaver o fôlego, bancos procuram dinheiro no exterior. A fim de bancar seu excesso de consumo, os americanos encrencados, de consumidores a bancos, como que estão vendendo os móveis da casa (e a casa!) a estrangeiros (instituições financeiras de China, Cingapura, países árabes, Japão e Coréia).
A continuar, a piora da qualidade do crédito ao consumidor vai baquear ainda mais o balanço dos bancos, o que tende a mudar o caráter da crise, ou pelo menos o modo pelo qual ela era vista. De meados de 2007 até dezembro, os bancos relutavam em emprestar dinheiro uns aos outros, dado o temor de que uma instituição financeira ou outra pudesse estar quebrando devido aos papéis podres imobiliários.
Secara também o dinheiro que os bancos tomavam no curto prazo ("commercial papers", promissórias). Houve escassez de crédito, alta de juros e o mercado monetário travou, prejudicando também negócios de curto prazo de empresas. Depois que os bancos centrais de EUA e Europa passaram a emprestar dinheiro barato para os bancos, no final de dezembro, tal crise parece ter passado, até porque os BCs estão emprestando dinheiro a taxas inferiores às cobradas entre bancos (os BCs estão dando dinheiro) e devido à perspectiva de queda forte nos juros americanos. Agora, fica mais evidente uma crise de solvência -calotes por fraqueza da econômica real-, e não de liqüidez, como se ouvia na discussão bizantina até faz pouco.


vinit@uol.com.br

Texto Anterior: Paulo Rabello de Castro: Bola da vez?
Próximo Texto: Criação de vaga formal em 2007 supera 1,6 milhão
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.