|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VINICIUS TORRES FREIRE
A crise desce para a rua
Mercado se alarma com calotes crescentes do cidadão comum; bancos como o Citi perdem fôlego para emprestar
"AS COISAS podem ficar ainda piores, sob certas circunstâncias", disse ontem o principal executivo financeiro
do Citigroup. Bem, o Citi teve prejuízo de US$ 10 bilhões no trimestre.
Admitiu que perdeu mais US$ 18 bilhões com papéis cuja renda dependia de pagamentos de prestações
imobiliárias. Cortou os dividendos
de seus acionistas em 40%. Seu capital se esvai, o que levou o grupo a
buscar mais sócios e a levantar US$
12,5 bilhões. O que pode ser pior?
Antes de mais nada, no balanço do
Citi ainda há cerca de US$ 30 bilhões em papéis lastreados em hipotecas de alto risco e que ainda não foram dados como perdidos. O que pode ser ainda pior, talvez, seja o fato
de que o consumidor americano ponha a língua para fora. Deixa de pagar cartão de crédito, empréstimos
pessoais e prestação do carro.
Executivos do Citi diziam ontem
que isso é reflexo da queda do valor
dos imóveis, que provocou o fechamento da grande "linha de crédito"
que permitia a americanos gastar
além da conta ou rolar dívidas. Antes
da crise, com preços de imóveis em
alta e juros baixos, americanos tomavam crédito garantido pelo valor de
suas casas ou faziam dinheiro refinanciando seus imóveis. Os juros subiram, o valor das casas está em baixa
recorde: secou o "cheque especial"
lastreado no valor do imóvel. A conta
estourou no cartão de crédito e faltou
dinheiro para o carro.
Não se trata bem de novidade. No
terceiro trimestre de 2007, o alarme
havia tocado no Bank of America e
no Wachovia: o nível de calote já subia devido a redução da renda, subemprego, dívidas pessoais em excesso e desemprego. Sim, confirma-se que a crise chegou à rua e que o sistema bancário americano está sem
gás para financiar a economia. Explicita-se um círculo vicioso.
Para reaver o fôlego, bancos procuram dinheiro no exterior. A fim de
bancar seu excesso de consumo, os
americanos encrencados, de consumidores a bancos, como que estão
vendendo os móveis da casa (e a casa!) a estrangeiros (instituições financeiras de China, Cingapura, países árabes, Japão e Coréia).
A continuar, a piora da qualidade
do crédito ao consumidor vai baquear ainda mais o balanço dos bancos, o que tende a mudar o caráter da
crise, ou pelo menos o modo pelo
qual ela era vista. De meados de 2007
até dezembro, os bancos relutavam
em emprestar dinheiro uns aos outros, dado o temor de que uma instituição financeira ou outra pudesse
estar quebrando devido aos papéis
podres imobiliários.
Secara também o dinheiro que os
bancos tomavam no curto prazo
("commercial papers", promissórias). Houve escassez de crédito, alta
de juros e o mercado monetário travou, prejudicando também negócios
de curto prazo de empresas. Depois
que os bancos centrais de EUA e Europa passaram a emprestar dinheiro
barato para os bancos, no final de dezembro, tal crise parece ter passado,
até porque os BCs estão emprestando dinheiro a taxas inferiores às cobradas entre bancos (os BCs estão
dando dinheiro) e devido à perspectiva de queda forte nos juros americanos. Agora, fica mais evidente uma
crise de solvência -calotes por fraqueza da econômica real-, e não de
liqüidez, como se ouvia na discussão
bizantina até faz pouco.
vinit@uol.com.br
Texto Anterior: Paulo Rabello de Castro: Bola da vez? Próximo Texto: Criação de vaga formal em 2007 supera 1,6 milhão Índice
|