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Sem trabalho, ex-lavradores voltam ao campo na China
Crise atingiu construção e indústrias, maiores empregadores de imigrantes rurais
Em 2008, 10 milhões de desempregados deixaram cidades chinesas para retornar ao campo; em 2009, número será de 20 milhões
RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM
Trocar a paisagem de arranha-céus modernosos e muitos
neons das grandes cidades chinesas pelo interior, onde subsistem o arado manual e os casamentos arranjados.
Esse grande salto para trás,
do século 21 ao século 18, já foi
dado por 10 milhões de chineses que perderam o emprego
em 2008 e voltaram à lavoura.
O êxodo urbano será um dos
temas sobre a mesa do Ano Novo Chinês, que começa no dia
26. O feriado mais importante
da China dura uma semana -e
é a rara oportunidade para que
200 milhões de chineses visitem seus parentes no interior,
em um país onde férias não
existem na lei.
Com previsões de que mais
20 milhões de empregos desapareçam em 2009, as famílias
se perguntam onde é melhor ficar. Os dois setores que mais
empregaram a vasta mão-de-obra inexperiente nas últimas
duas décadas estão em crise. Há
obras paradas em todos os cantos em Pequim e Xangai, e edifícios prontos vazios, esquecidos pelos compradores.
As linhas de montagem que
espalharam o "made in China"
pelo mundo estão em velocidade reduzida. Mais de 2,5 milhões de operários perderam
seus empregos na Província de
Guangdong, no sul da China, a
mais populosa e rica do país.
Os retirantes chineses formaram o pilar da competitividade que levou o país agrário a
se tornar potência industrial
em menos de três décadas.
A China virou a terceira
maior economia do mundo, em
parte graças aos 200 milhões
de vidas severinas que desconhecem sábados e domingos,
aceitam salários irrisórios sem
reclamar e vagam pelo país
atrás de empregos na construção civil e nas linhas de montagem das fábricas exportadoras.
"A primeira geração de migrantes rurais, nos anos 80, tinha vários irmãos, quase nenhum estudo e se readaptava
ao trabalho na lavoura facilmente", disse à Folha a socióloga Zhao Wei, vice-diretora do
Centro de Estudos do Trabalho
na China na Universidade Normal de Pequim.
"As gerações mais jovens
têm mais ambições, não têm
experiência ou interesse de pegar na enxada. Esse é o desafio", diz Zhao. "O problema é
que, com a rotina de trabalho,
poucos têm tempo de aprender
novas profissões."
Há apenas um ano entrou
em vigor uma nova lei trabalhista no país, que prometia
mais estabilidade aos empregados e aumentava as punições a
patrões que não pagassem horas extras e outros benefícios.
A socióloga Zhao, que já trabalhou na única central sindical do país, criada e tutelada
pelo Partido Comunista, diz
que a precarização dos empregos restantes está a caminho.
"Pequim diz que está tudo
bem, mas nas Províncias patrões já escutam do governo
que, desde que não demitam,
podem fazer o que quiserem."
Quem está voltando à sua
Província por algum tempo é o
pintor de parede Zou Ming, 31,
depois de quatro meses em Pequim ganhando 140 yuans (R$
46) por dia, mais que o dobro
da média de seus companheiros na construção.
"Só estudei o primário, então
não posso querer outros empregos, posso até aceitar menos. Meu sonho é um dia voltar
com minha mulher e minha filha de seis anos para Pequim,
mas é difícil", diz.
Pela lei chinesa, cada habitante tem direito a serviços sociais em sua cidade de origem.
Como a maioria dos migrantes
não tem permissão de residência, sua estância é quase clandestina, mas tolerada pelo governo. Seus filhos, porém, não
têm autorização para cursar o
ensino secundário ou uma faculdade fora do local de residência. Forasteiros precisam
de nota maior de corte no ultracompetitivo vestibular chinês. Os investimentos em educação e saúde ainda são bem
menores em relação ao PIB
que os do Brasil.
Temor a protestos
O governo chinês anunciou
em novembro um pacote de 4
trilhões de yuans (R$ 1,33 trilhão, quase 2,5 vezes o total de
investimentos do PAC), anunciando obras de infraestrutura,
como a construção de mais aeroportos, ferrovias e rodovias.
Protestos começaram a
acontecer com mais intensidade no final de 2008, já como
resposta à crise. De taxistas a
operários que ficaram sem receber o salário quando suas fábricas faliram, a desaceleração
econômica trouxe medo e insatisfação. Em vários casos, houve ataques à polícia e depredação de prédios públicos.
Mas o maior temor é pelo
destino dos 7 milhões de universitários chineses, cultos e ligados à internet, que se formam neste ano e terão dificuldade de encontrar trabalho.
Há 20 anos, estudantes deram origem à maior onda de
protestos na China nas últimas
décadas, reprimida com tanques na praça da Paz Celestial.
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