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São Paulo, domingo, 16 de fevereiro de 2003

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COMÉRCIO GLOBAL

Proposta Harbinson sofre bombardeio, mas é aceita como "catalisador" no debate sobre protecionismo na OMC

Negociação agrícola dá tímido passo adiante

Eriko Sugita/Reuters
Agricultores japoneses protestam contra reunião da Organização Mundial do Comércio em Tóquio


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A TÓQUIO

Quinze meses depois de lançada a Rodada Doha de negociações comerciais, finalmente a questão agrícola tem um documento a partir do qual os 145 países membros da OMC (Organização Mundial do Comércio) tentarão estabelecer um difícil acordo.
Agricultura é a prioridade um do Brasil nas negociações determinadas pela Conferência Ministerial de Doha, motivo pelo qual havia uma muito tímida satisfação entre os delegados brasileiros pelo simples fato de existir um papel sobre agricultura, embora não seja "satisfatório", na definição do chanceler Celso Amorim.
O documento leva o nome de Stuart Harbinson (Hong Kong), que, na qualidade de presidente do Comitê de Negociações Agrícolas, teve a ousadia de preparar o texto ao notar que, se fosse esperar alguma aproximação entre as partes, nada aconteceria.
O texto foi bombardeado por União Européia, Japão e Coréia do Sul, bloco e países que protegem fortemente seus agricultores, por ser considerado excessivamente liberal.
Foi também criticado, mas bem mais moderadamente, pelos grandes exportadores agrícolas, como Estados Unidos e Brasil, pelo motivo inverso: excessivamente tímido na derrubada do muro protecionista na agricultura.
Nessa situação, o razoável era esperar que, na reunião miniministerial de Tóquio, o documento Harbinson virasse pó. Quase virou mesmo.

"Ponto de partida, não"
Yoriko Kawaguchi, chanceler japonesa e, como anfitriã, presidente da reunião, já ia considerando o texto superado e devolvendo a negociação para Genebra (sede da OMC), quando Robert Zoellick, o delegado dos Estados Unidos, observou que todos estavam de acordo em que o documento poderia servir pelo menos como "ponto de partida".
Pascal Lamy, comissário europeu de Comércio, saltou na hora: "Ponto de partida, não". Explicou que não poderia aceitar essa caracterização porque suporia que o documento estava estabelecendo um piso a partir do qual negociações posteriores acrescentariam algo.
Surgiu, então, uma nova expressão ("documento catalisador"), finalmente consagrada, embora não haja, na essência, grande diferença entre "ponto de partida" ou "catalisador".
Em um encontro com jornalistas, representantes da União Européia, com a condição de não terem os nomes citados, mostraram-se menos ácidos em relação à proposta Harbinson do que nos dias prévios. Chegaram a dizer que jamais haviam empregado a palavra "inaceitável" para descrever o texto.
Agora, os interessados vão encaminhar suas propostas para que Harbinson elabore um segundo texto, de preferência em tempo para a reunião do Comitê de Negociações Agrícolas marcada para dia 24 de fevereiro.

Pressa
A pressa é explicável: no dia 31 de março vence o prazo para que sejam estabelecidas as modalidades da negociação agrícola. "Modalidades", no jargão diplomático, significa estabelecer o objetivo das negociações, a metodologia a ser seguida e o resultado final esperado pelas partes.
O risco de a OMC perder o prazo para terminar o que é, na prática, uma pré-negociação é imenso: "Lançaria uma grave sombra sobre todo o processo" (da rodada Doha), diz Keith Rockwell, porta-voz da instituição.
O fato de o documento Harbinson ter sobrevivido não significa que o caminho para um acordo na área agrícola ficou mais fácil.
"Vai haver uma chuva de propostas contraditórias em relação ao documento dele e também contraditórias entre si", imagina Roberto Rodrigues, o ministro brasileiro da Agricultura.
Reforça um porta-voz da delegação japonesa, também falando com a condição de não ter o nome citado: "O segundo texto Harbinson terá que refletir os diferentes pontos de vista, o que não é tarefa fácil".
O que a torna menos impossível é o fato de haver virtual consenso de que "progresso na abertura de mercados, especialmente na agricultura, é a chave para o sucesso da rodada", como diz o porta-voz japonês.

Protestos
O tema agrícola dominou completamente a miniministerial de Tóquio, realizada no imponente Hotel Imperial, o mais tradicional do Japão, cercado preventivamente pela polícia para evitar problemas com o protesto de agricultores contra eventuais mexidas no protecionismo agrícola japonês.
Se os manifestantes não puderam entrar, o acesso era livre para o público que participaria dos incontáveis casamentos que todos os sábados se realizam na capital japonesa, muitos deles em hotéis como o Imperial.
Noivas de vestido branco, pais de fraque, mães e tias de quimonos de gala e menininhas de dama de honra, buquês às mãos, cruzavam nos corredores com os delegados, numa insólita mistura.
Terminou numa salva de palmas não para algum ministro em especial, mas para um noivo que saiu da festa acenando para os jornalistas que aguardavam as autoridades.



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