São Paulo, terça-feira, 16 de abril de 2002

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CONCORRÊNCIA SUSPEITA

Empresário grava telefonemas em que recebe proposta para obter parecer favorável a sua empresa

Gravações revelam esquema de extorsão no Cade

WLADIMIR GRAMACHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Telefonemas gravados por um empresário revelam a existência de um esquema de extorsão de empresas envolvendo pareceres jurídicos de processos em julgamento no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
A fita, com o registro de quatro conversas, foi obtida pela Folha. Descreve pressões e cobrança de propina de R$ 30 mil para a obtenção de parecer jurídico favorável num caso que envolve a gigante Microsoft, do bilionário Bill Gates, e a Paiva Piovesan, pequena empresa de informática em Belo Horizonte, com 15 funcionários.
A empresa brasileira move processo contra a norte-americana por prática desleal de concorrência, ao incluir a venda de um programa de administração financeira, o "Money", num pacote de aplicativos.
Casos desse tipo costumam ter tramitação simples. A Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça tem que ser ouvida, dá sua opinião e remete o processo ao Cade. Ali, os sete conselheiros julgam a conduta da empresa após parecer jurídico dos procuradores do próprio órgão.
Em 18 de maio de 2001, a SDE cumpriu sua parte no ritual e sugeriu a condenação da Microsoft. Atestou a ocorrência de uso de posição dominante no mercado em prejuízo da concorrência e sugeriu multa de até 30% sobre o faturamento bruto da Microsoft no Brasil, prevista na Lei Antitruste.
O caso foi ao Cade. Antes de ir a julgamento no plenário, caiu nas mãos do procurador Sídio Rosa de Mesquita Júnior, funcionário do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) cedido ao conselho.
Em outubro de 2001, o dono da Paiva Piovesan, Rodrigo Paiva, conta que esteve no Cade para perguntar sobre o andamento do processo. Não encontrou o procurador Mesquita Júnior em seu gabinete e deixou um cartão com a secretária para ter notícias sobre a tramitação do caso.
Foi contatado no dia 10 daquele mês. Não por Mesquita Júnior, mas pelo advogado Giovanni Riccardi, de Brasília, que se dizia portador de uma proposta favorável à Paiva Piovesan. O empresário Rodrigo Paiva considerou o diálogo suspeito e levou o caso ao Ministério Público Federal.
Após reunião com o procurador da República Guilherme Schelb, Paiva providenciou um identificador de chamadas e um gravador para registrar o conteúdo de suas ligações, o que é legal.
Um novo contato ocorreu no dia 16 de outubro, quando Paiva diz ter respondido a recado de Riccardi. Pela primeira vez, as conversas foram gravadas.
No diálogo, Riccardi diz: "Este parecer eu posso moldar de acordo com todos os seus interesses". O advogado informa que está a serviço da pessoa a quem Paiva deixou seu cartão. "Essa pessoa pediu que te ligasse", explica.
Riccardi e Mesquita Júnior são colegas de formatura. Concluíram juntos o curso de direito no Centro Universitário de Brasília, no segundo semestre de 94. Costumam dividir o escritório de Riccardi, no edifício Empire Center.
O segundo telefonema, gravado no dia 18 de outubro, relata a ligação de Moacir Lacerda, diretor em Belo Horizonte do Instituto Brasileiro de Difusão Universitária (IBDU), para Paiva.
Na conversa, Lacerda diz que "Riccardi é muito amigo do procurador do Cade" e que sua missão, ao telefonar, era garantir que os três teriam como "ajudar" na elaboração de parecer favorável.
O preço do serviço só surgiria em novo telefonema, no dia 23 de outubro. Durante o diálogo, Riccardi diz que o parecer custaria "em torno de 30". "Não foi dito se eram dólares ou reais, mas eu entendi que eram R$ 30 mil", afirma Paiva, que entregou à Folha todos os documentos e gravações enviados ao Ministério Público.
Nesse terceiro contato, o Riccardi também diz que já tinha em mãos o parecer do procurador Mesquita Júnior. Ameaça retardar o julgamento, com pedidos de diligências, caso Paiva não aceite pagar pelo trabalho.
"Eu não paguei nada. Eles descobriram que eu havia denunciado tudo ao Ministério Público e concluíram o parecer", diz Paiva.
A ameaça de atrasar o andamento do processo não foi cumprida. O parecer de Mesquita Júnior ganhou data de 26 de outubro e, assim como o da SDE, recomendou punições à Microsoft por práticas desleais de concorrência.
Mas Riccardi registrou seu desapontamento. "Vocês já seguiram um outro caminho. Acho que vocês poderiam ter tido uma forma diferente", diz em conversa de 21 de novembro, segundo apontamentos de Paiva. "O mundo é redondo", afirma Riccardi, sugerindo uma ameaça velada.



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