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CONCORRÊNCIA SUSPEITA
Empresário grava telefonemas em que recebe proposta para obter parecer favorável a sua empresa
Gravações revelam esquema de extorsão no Cade
WLADIMIR GRAMACHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Telefonemas gravados por um
empresário revelam a existência
de um esquema de extorsão de
empresas envolvendo pareceres
jurídicos de processos em julgamento no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
A fita, com o registro de quatro
conversas, foi obtida pela Folha.
Descreve pressões e cobrança de
propina de R$ 30 mil para a obtenção de parecer jurídico favorável num caso que envolve a gigante Microsoft, do bilionário Bill Gates, e a Paiva Piovesan, pequena
empresa de informática em Belo
Horizonte, com 15 funcionários.
A empresa brasileira move processo contra a norte-americana
por prática desleal de concorrência, ao incluir a venda de um programa de administração financeira, o "Money", num pacote de
aplicativos.
Casos desse tipo costumam ter
tramitação simples. A Secretaria
de Direito Econômico (SDE) do
Ministério da Justiça tem que ser
ouvida, dá sua opinião e remete o
processo ao Cade. Ali, os sete conselheiros julgam a conduta da empresa após parecer jurídico dos
procuradores do próprio órgão.
Em 18 de maio de 2001, a SDE
cumpriu sua parte no ritual e sugeriu a condenação da Microsoft.
Atestou a ocorrência de uso de
posição dominante no mercado
em prejuízo da concorrência e sugeriu multa de até 30% sobre o faturamento bruto da Microsoft no
Brasil, prevista na Lei Antitruste.
O caso foi ao Cade. Antes de ir a
julgamento no plenário, caiu nas
mãos do procurador Sídio Rosa
de Mesquita Júnior, funcionário
do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) cedido ao conselho.
Em outubro de 2001, o dono da
Paiva Piovesan, Rodrigo Paiva,
conta que esteve no Cade para
perguntar sobre o andamento do
processo. Não encontrou o procurador Mesquita Júnior em seu
gabinete e deixou um cartão com
a secretária para ter notícias sobre
a tramitação do caso.
Foi contatado no dia 10 daquele
mês. Não por Mesquita Júnior,
mas pelo advogado Giovanni Riccardi, de Brasília, que se dizia portador de uma proposta favorável
à Paiva Piovesan. O empresário
Rodrigo Paiva considerou o diálogo suspeito e levou o caso ao
Ministério Público Federal.
Após reunião com o procurador da República Guilherme
Schelb, Paiva providenciou um
identificador de chamadas e um
gravador para registrar o conteúdo de suas ligações, o que é legal.
Um novo contato ocorreu no
dia 16 de outubro, quando Paiva
diz ter respondido a recado de
Riccardi. Pela primeira vez, as
conversas foram gravadas.
No diálogo, Riccardi diz: "Este
parecer eu posso moldar de acordo com todos os seus interesses".
O advogado informa que está a
serviço da pessoa a quem Paiva
deixou seu cartão. "Essa pessoa
pediu que te ligasse", explica.
Riccardi e Mesquita Júnior são
colegas de formatura. Concluíram juntos o curso de direito no
Centro Universitário de Brasília,
no segundo semestre de 94. Costumam dividir o escritório de Riccardi, no edifício Empire Center.
O segundo telefonema, gravado
no dia 18 de outubro, relata a ligação de Moacir Lacerda, diretor
em Belo Horizonte do Instituto
Brasileiro de Difusão Universitária (IBDU), para Paiva.
Na conversa, Lacerda diz que
"Riccardi é muito amigo do procurador do Cade" e que sua missão, ao telefonar, era garantir que
os três teriam como "ajudar" na
elaboração de parecer favorável.
O preço do serviço só surgiria
em novo telefonema, no dia 23 de
outubro. Durante o diálogo, Riccardi diz que o parecer custaria
"em torno de 30". "Não foi dito se
eram dólares ou reais, mas eu entendi que eram R$ 30 mil", afirma
Paiva, que entregou à Folha todos
os documentos e gravações enviados ao Ministério Público.
Nesse terceiro contato, o Riccardi também diz que já tinha em
mãos o parecer do procurador
Mesquita Júnior. Ameaça retardar o julgamento, com pedidos de
diligências, caso Paiva não aceite
pagar pelo trabalho.
"Eu não paguei nada. Eles descobriram que eu havia denunciado tudo ao Ministério Público e
concluíram o parecer", diz Paiva.
A ameaça de atrasar o andamento do processo não foi cumprida. O parecer de Mesquita Júnior ganhou data de 26 de outubro e, assim como o da SDE, recomendou punições à Microsoft por
práticas desleais de concorrência.
Mas Riccardi registrou seu desapontamento. "Vocês já seguiram um outro caminho. Acho que vocês poderiam ter tido uma
forma diferente", diz em conversa
de 21 de novembro, segundo apontamentos de Paiva. "O mundo é redondo", afirma Riccardi, sugerindo uma ameaça velada.
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