São Paulo, quinta-feira, 16 de maio de 2002

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COMÉRCIO MUNDIAL

Graça Lima diz que subsídios agrícolas e poder demais ao Senado dos EUA são os mais novos empecilhos

Para Brasil, onda negativa emperra acordos

ENVIADO ESPECIAL A MADRI

Uma "conspiração de motivos negativos" está emperrando todas as três grandes negociações comerciais em que o Brasil está envolvido, na opinião do embaixador José Alfredo Graça Lima, um dos mais experientes negociadores do Itamaraty.
O mais recente motivo a compor a "conspiração" foi a decisão de anteontem do Senado norte-americano de manter os seus poderes para aprovar apenas as partes que considerar de interesse dos EUA dos acordos comerciais que o Executivo vier a negociar.
A decisão torna muito difícil avançar na criação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas, que deve abranger os 34 países americanos, excluído Cuba).
Os países latino-americanos, Brasil à frente, temem negociar com Washington se o Congresso dos Estados Unidos mantiver o poder de fatiar qualquer acordo alcançado, preservando apenas as partes tidas como boas para os EUA, mas que podem ser ruins para os demais.
Antes mesmo da votação de terça-feira, a negociação da Alca estava se dando em "ambiente muito deteriorado", conforme relatou a seus colegas o embaixador Clodoaldo Hugueney, recém-promovido a negociador-chefe do Brasil, ao chegar ontem a Madri.
Hugueney veio direto do Panamá, onde os países que comporão a Alca tentavam, sem grandes avanços, definir de uma vez os métodos e modalidades que permitirão, a partir de 2003, elaborar as propostas de redução das tarifas de importação -a cereja do bolo em qualquer acordo de livre comércio.

Incentivos demais
A causa da "deterioração", pelo menos a mais recente, é a "farm bill" recém-aprovada pelo Congresso norte-americano, que, pelos cálculos preliminares do Itamaraty, embute subsídios de US$ 19 bilhões por ano (além dos já existentes).
Com tanto incentivo, os produtores agrícolas norte-americanos produzirão o que precisam e até o que não precisam, o que fatalmente bloqueia a entrada da produção brasileira (e de outros países latino-americanos também competitivos no setor, como a Argentina) tanto no mercado dos EUA como em terceiros países.
"A recém-aprovada legislação agrícola [norte-americana" produzirá não só impactos graves nas exportações dos países que, como o Brasil, possuem um setor agrícola altamente competitivo, mas também sinaliza o menor compromisso norte-americano com a agenda agrícola nas negociações em curso na OMC (Organização Mundial do Comércio) e na Alca", diz nota oficial do Itamaraty.
A nota aponta para a "conspiração de motivos negativos" apontada por Graça Lima: as reticências dos Estados Unidos (e também da Europa) em ceder na parte agrícola atrapalham não apenas a negociação na Alca mas também a liberalização comercial planetária definida, no papel, durante a Conferência Ministerial da OMC realizada em Doha, em novembro passado.
Não é uma visão restrita ao âmbito diplomático. O empresário Roberto Teixeira da Costa, que acompanha todas as negociações comerciais globais e é membro do Ceal (Conselho de Empresários da América Latina), acaba de voltar de Genebra com uma avaliação similar.
"O sentimento que trago de Genebra é o de que as coisas não vão acontecer com a velocidade que se imagina. Pôr em prática o que foi decidido em Doha é bem mais difícil do que se pensa", diz.

"Conspiração"
Se a Alca emperra, se as negociações na OMC serão mais difíceis do que inicialmente imaginado, restaria, entre os acordos que o Brasil busca, o entendimento com a União Européia.
Mas nem esse escapa da "conspiração" vista por Graça Lima, com a autoridade de quem está assumindo o posto de representante brasileiro na União Européia, em Bruxelas.
"Os europeus mantêm a disposição de negociar, mas com um olho no retrovisor", diz o embaixador. E o "retrovisor" mostra, primeiro, que a crise do Mercosul impede qualquer avanço em negociações comerciais. Em segundo lugar, mostra que, "se a Alca não avançar, a Europa, sem sentir pressão pela perda de fatias de mercado no Mercosul, também não sente maior urgência em avançar".
Tudo somado, os três cenários parecem de fato recheados de "motivos negativos", em especial, como diz Graça Lima, "para os países, como o Brasil, que precisam de mais comércio para crescer". (CLÓVIS ROSSI)

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