São Paulo, terça-feira, 16 de maio de 2006

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ENTREVISTA

Paulo Bernardo, do Planejamento, diz que plano de ajuste de longo prazo será "inevitável" e cita "risco Alckmin"

Aperto fiscal superará meta, diz ministro

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, afirmou que o superávit primário em 2006 será superior à meta de 4,25% do PIB (Produto Interno Bruto). Em entrevista à Folha, o ministro diz ser "inevitável" um plano de ajuste fiscal de longo prazo "na agenda do próximo governo, qualquer que seja o presidente eleito".
Segundo Bernardo, o governo está dizendo com "transparência" que o superávit em 2006 não será muito superior à meta, mas que "é pertinente sempre ter uma pequena gordurinha para não correr risco". O superávit primário é a economia feita pelo setor público para pagar os juros da dívida.
Bernardo rebate as críticas de dois colegas de governo à idéia de um plano de dez anos para "diminuição gradual das despesas correntes do governo, como os gastos com pessoal, o custeio da máquina e a Previdência".
Ele argumenta que o plano abriria "espaço" para a redução da carga tributária, para mais investimentos públicos e privados e mais recursos para a área social.
No ano passado, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) classificou a proposta de "rudimentar". No final de março, ao substituir Antonio Palocci na Fazenda, Guido Mantega descartou levá-lo adiante. Para Bernardo, o plano é "simples e direto ao ponto".
Bernardo fala em "risco [Geraldo] Alckmin" ao criticar o discurso econômico de "generalidades provincianas" do postulante do PSDB à Presidência. "Vai diminuir juros? Ótimo. Como ele vai fazer isso? Na canetada? Vai intervir no câmbio flutuante? A sociedade cobrará propostas mais elaboradas."
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida na quinta-feira à noite.
 

Folha - Houve aumento de gastos públicos em 2006 e decisão de não fazer superávit primário superior a 4,25% do PIB. O rigor fiscal foi afrouxado?
Paulo Bernardo -
Não há afrouxamento, mas decisão de garantir a meta de superávit fixada em 4,25% do PIB. O superávit pode ser maior. Mas estamos, com toda a transparência, dizendo que o resultado não será muito maior do que a meta. É pertinente sempre ter uma pequena gordurinha para não correr nenhum risco. Não vamos desmoralizar a reputação do superávit primário cumprido nos últimos anos.

Folha - A aceleração de gastos em 2006, com um "pacote de bondades" que incluiu aumento do salário mínimo de R$ 300 para R$ 350, objetiva vitaminar a candidatura Lula à reeleição?
Bernardo -
Lula está governando e cumprindo os compromissos que assumiu com o povo em 2002. Pode fazer isso porque o governo fez a sua lição de casa na área fiscal depois de ter encontrado uma situação difícil em 2003. Hoje, está com as contas ajustadas. Algumas despesas foram antecipadas neste ano porque o planejamento, em 2005, indicou que teríamos atraso na votação do Orçamento e porque a lei eleitoral e a Lei de Responsabilidade Fiscal restringem gastos no segundo semestre em ano de eleições.

Folha - Palocci defendia, em conversas reservadas, superávit próximo a 5% do PIB, a fim de ter mais espaço para maior queda dos juros. O sr. apóia esse tese?
Bernardo -
O superávit maior nos outros anos ajudou a manter em queda a relação da dívida pública em relação ao PIB. Compartilho integralmente do imperativo de redução permanente da relação dívida-PIB. Isso ajuda muito o trabalho do BC de reduzir juros com mais confiança. Porém mais importante do que preservar o déficit primário é apostarmos na melhora paulatina da qualidade do gasto. Isso é totalmente compatível com um governo com o foco no social. Estamos mergulhados nesse tema com dezenas de técnicos pensando na agenda fiscal em prazo mais longo.

Folha - Dilma classificou de rudimentar o plano de ajuste fiscal de longo prazo que o sr. e Palocci tentaram levar adiante em 2005. Mantega assumiu a Fazenda deixando claro que esse plano não constava de sua agenda. O que o sr. acha da opinião dos seus colegas?
Bernardo -
O plano não era rudimentar. Era simples e direto ao ponto. A idéia era garantir, num horizonte longo, de dez anos, a diminuição gradual das despesas correntes do governo, como gastos com pessoal, custeio da máquina e Previdência. Isso abriria espaço para reduzir gradualmente a carga tributária, aumentar o volume de investimentos públicos e privados e garantir recursos para programas sociais. Talvez tenha sido um pouco ingênuo acreditar que esses temas podiam ser tratados em plena crise política e perto das eleições. Não havia condições. Mas continuo achando que essa questão estará necessariamente na agenda do próximo governo, qualquer que seja o presidente eleito. Será inevitável.

Folha - E se continuar em 2007 esse clima de guerra entre PT e PSDB? Haverá consenso político para um plano desse tipo?
Bernardo -
Terminadas as eleições, todos os partidos, o governo eleito, o Congresso eleito e a sociedade terão de debater essa questão. Deveríamos buscar soluções mais duradouras. Se possível, permanentes. Precisamos equacionar o tema fiscal de forma definitiva porque as finanças públicas no Brasil tendem estruturalmente a registrar déficit desde 1988. O Brasil vai melhorar mais se estivermos determinados a equacionar definitivamente problemas como o fiscal. Uma situação fiscal equacionada dá as condições para melhorar o ambiente de negócios e abrirá espaço para reduzir a carga tributária.

Folha - Mantega disse que o câmbio "é motivo de preocupação". O sr. também está preocupado com essa questão?
Bernardo -
O câmbio, de fato, merece atenção. Se o real valorizado tem o lado negativo para setores exportadores que perdem alguma rentabilidade, tem também o lado positivo. A verdade é que o poder aquisitivo dos trabalhadores aumentou muito. Há barateamento dos bens de capital importados, e, portanto, esperamos uma maior taxa de investimento na economia. Não podemos esquecer que o dólar está se desvalorizando em todo o mundo, e não apenas no Brasil. Na medida em que o país vai melhorando seus fundamentos econômicos e se tornando mais confiável no balanço de pagamentos e na parte fiscal, ampliam-se os capitais interessados em investir no Brasil.

Folha - O sr. está entre os que julgam o Banco Central conservador?
Bernardo -
Defendo que o Banco Central trabalhe com autonomia. Com inflação controlada e apontando para menos de 4,5% neste ano, creio haver condições de continuar a diminuir os juros. Imagino que o Banco Central queira verificar se o quadro positivo na inflação é temporário ou permanente. Podemos ter neste ano uma taxa de crescimento maior do que a taxa de inflação. Além disso, possivelmente teremos em 2006 a menor taxa nominal e real de juros até hoje, com inflação baixa. A economia continua a gerar empregos, e a renda dos trabalhadores aumenta.

Folha - Geraldo Alckmin diz que é preciso mudar a política econômica, diminuir juros, impedir a excessiva valorização do real e cortar despesas. Boa parte do PT também prega essas mudanças na política econômica. O sr. concorda?
Bernardo -
O candidato da oposição precisa ser mais claro no seu discurso. Vai mudar a política econômica? Qual será a nova política? Acho que assim os agentes econômicos podem começar a se preocupar com o "risco Alckmin". Vai diminuir juros? Ótimo. Como fará isso? Na canetada? Vai intervir no câmbio flutuante? Vai fixar uma cotação para o dólar? Vai retirar a autonomia do BC para executar a política monetária? Como vai tratar a questão da inflação? Vai mudar a meta de 4,5%? A sociedade cobrará propostas mais elaboradas do que as generalidades provincianas que ele dá como receitas. Das maiores bobagens que já ouvi, uma é que o compromisso fiscal dele será maior. Duvido. Nossa determinação em fazer o que precisa ser feito para melhorar a solvência fiscal do país será muito mais consistente sem prejuízo de nossos programas sociais e da capacidade de investimento público.

Folha - Mas o próprio PT quer mudar a política econômica...
Bernardo -
As cobranças do PT são as que toda a sociedade faz: mais crescimento, mais investimento, mais recursos para a área social. Ninguém é contra isso. Mas o que estamos fazendo é buscar tudo isso de forma sustentável, tomando o cuidado de não errar e causar retrocesso que ponha a perder o esforço e os sacrifícios feitos até agora pelo país.

Folha - No PT, há quem ache Alckmin mais difícil de ser batido do que seria José Serra. O sr. teme mais Alckmin?
Bernardo -
Qualquer candidato tem de ser respeitado. A eleição não será fácil.

Folha - No PSDB, há uma tese de que o PT se perdeu no poder porque o presidente, de origem humildade, teria se deslumbrado. O ex-presidente FHC a usou numa entrevista. E tucanos costumam dizer que Lula lidera as pesquisas porque os mais pobres são desinformados e não dão ao mensalão o peso de reprovação que deveriam dar. O sr. concorda?
Bernardo -
A tese é discriminatória, meio fascistóide. É o ranço elitista de achar que alguém de origem humilde não pode pretender o exercício do poder. É achar que o pobre não sabe nada de política. É o rancor de ter de reconhecer que Lula faz bom governo, que está reduzindo a pobreza e a desigualdade. Está melhorando a vida do povo, o principal objetivo de todo governo. E o povo entende.

Folha - O sr. se envergonha do mensalão e da ruína do pilar ético do PT?
Bernardo -
É inegável que houve erros, mas não vejo ruína do pilar ético do PT. O equívoco foi a reprodução de práticas históricas de outros partidos no Brasil. Houve irregularidades na manipulação de recursos, mas essa história de mensalão, da maneira como foi contada, como compra de votos no Congresso, não aconteceu. A imensa maioria do partido nada teve a ver com esses erros.

Folha - No Congresso, a expectativa é que o corte do Orçamento de 2006 fique entre R$ 19 bilhões e R$ 20 bilhões. Qual será o valor?
Bernardo -
Esse número é do Congresso. Estamos analisando com rigor técnico e fazendo um esforço grande para que seja menor. Nosso estudo é para ter a projeção de receitas e a previsão de despesas com maior precisão e garantir a meta de superávit. Para isso, vamos ter que cortar. O valor será o necessário.

Folha - Qual será o critério?
Bernardo -
A orientação do presidente Lula é preservar os programas prioritários, especialmente na área social e nos investimentos na infra-estrutura.

Folha - Quais ministérios serão mais preservados? E atingidos?
Bernardo -
Alguns ministérios não serão atingidos porque a lei prevê que não sejam contingenciados. É o caso da Saúde, da Educação, do Desenvolvimento Social, da Ciência e Tecnologia. Os demais serão atingidos.


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