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ENTREVISTA
Paulo Bernardo, do Planejamento, diz que plano de ajuste de longo prazo será "inevitável" e cita "risco Alckmin"
Aperto fiscal superará meta, diz ministro
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ministro do Planejamento,
Paulo Bernardo, afirmou que o
superávit primário em 2006 será
superior à meta de 4,25% do PIB
(Produto Interno Bruto). Em entrevista à Folha, o ministro diz ser
"inevitável" um plano de ajuste
fiscal de longo prazo "na agenda
do próximo governo, qualquer
que seja o presidente eleito".
Segundo Bernardo, o governo
está dizendo com "transparência"
que o superávit em 2006 não será
muito superior à meta, mas que
"é pertinente sempre ter uma pequena gordurinha para não correr risco". O superávit primário é
a economia feita pelo setor público para pagar os juros da dívida.
Bernardo rebate as críticas de
dois colegas de governo à idéia de
um plano de dez anos para "diminuição gradual das despesas correntes do governo, como os gastos com pessoal, o custeio da máquina e a Previdência".
Ele argumenta que o plano abriria "espaço" para a redução da
carga tributária, para mais investimentos públicos e privados e
mais recursos para a área social.
No ano passado, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) classificou a proposta de "rudimentar".
No final de março, ao substituir
Antonio Palocci na Fazenda, Guido Mantega descartou levá-lo
adiante. Para Bernardo, o plano é
"simples e direto ao ponto".
Bernardo fala em "risco [Geraldo] Alckmin" ao criticar o discurso econômico de "generalidades
provincianas" do postulante do
PSDB à Presidência. "Vai diminuir juros? Ótimo. Como ele vai
fazer isso? Na canetada? Vai intervir no câmbio flutuante? A sociedade cobrará propostas mais elaboradas."
A seguir, os principais trechos
da entrevista concedida na quinta-feira à noite.
Folha - Houve aumento de gastos
públicos em 2006 e decisão de não
fazer superávit primário superior a
4,25% do PIB. O rigor fiscal foi
afrouxado?
Paulo Bernardo - Não há afrouxamento, mas decisão de garantir
a meta de superávit fixada em
4,25% do PIB. O superávit pode
ser maior. Mas estamos, com toda
a transparência, dizendo que o resultado não será muito maior do
que a meta. É pertinente sempre
ter uma pequena gordurinha para
não correr nenhum risco. Não vamos desmoralizar a reputação do
superávit primário cumprido nos
últimos anos.
Folha - A aceleração de gastos em
2006, com um "pacote de bondades" que incluiu aumento do salário mínimo de R$ 300 para R$ 350,
objetiva vitaminar a candidatura
Lula à reeleição?
Bernardo - Lula está governando
e cumprindo os compromissos
que assumiu com o povo em
2002. Pode fazer isso porque o governo fez a sua lição de casa na
área fiscal depois de ter encontrado uma situação difícil em 2003.
Hoje, está com as contas ajustadas. Algumas despesas foram antecipadas neste ano porque o planejamento, em 2005, indicou que
teríamos atraso na votação do Orçamento e porque a lei eleitoral e a
Lei de Responsabilidade Fiscal
restringem gastos no segundo semestre em ano de eleições.
Folha - Palocci defendia, em conversas reservadas, superávit próximo a 5% do PIB, a fim de ter mais
espaço para maior queda dos juros.
O sr. apóia esse tese?
Bernardo - O superávit maior
nos outros anos ajudou a manter
em queda a relação da dívida pública em relação ao PIB. Compartilho integralmente do imperativo
de redução permanente da relação dívida-PIB. Isso ajuda muito
o trabalho do BC de reduzir juros
com mais confiança. Porém mais
importante do que preservar o
déficit primário é apostarmos na
melhora paulatina da qualidade
do gasto. Isso é totalmente compatível com um governo com o
foco no social. Estamos mergulhados nesse tema com dezenas
de técnicos pensando na agenda
fiscal em prazo mais longo.
Folha - Dilma classificou de rudimentar o plano de ajuste fiscal de
longo prazo que o sr. e Palocci tentaram levar adiante em 2005. Mantega assumiu a Fazenda deixando
claro que esse plano não constava
de sua agenda. O que o sr. acha da
opinião dos seus colegas?
Bernardo - O plano não era rudimentar. Era simples e direto ao
ponto. A idéia era garantir, num
horizonte longo, de dez anos, a diminuição gradual das despesas
correntes do governo, como gastos com pessoal, custeio da máquina e Previdência. Isso abriria
espaço para reduzir gradualmente a carga tributária, aumentar o
volume de investimentos públicos e privados e garantir recursos
para programas sociais. Talvez tenha sido um pouco ingênuo acreditar que esses temas podiam ser
tratados em plena crise política e
perto das eleições. Não havia condições. Mas continuo achando
que essa questão estará necessariamente na agenda do próximo
governo, qualquer que seja o presidente eleito. Será inevitável.
Folha - E se continuar em 2007 esse clima de guerra entre PT e PSDB?
Haverá consenso político para um
plano desse tipo?
Bernardo - Terminadas as eleições, todos os partidos, o governo
eleito, o Congresso eleito e a sociedade terão de debater essa
questão. Deveríamos buscar soluções mais duradouras. Se possível, permanentes. Precisamos
equacionar o tema fiscal de forma
definitiva porque as finanças públicas no Brasil tendem estruturalmente a registrar déficit desde
1988. O Brasil vai melhorar mais
se estivermos determinados a
equacionar definitivamente problemas como o fiscal. Uma situação fiscal equacionada dá as condições para melhorar o ambiente
de negócios e abrirá espaço para
reduzir a carga tributária.
Folha - Mantega disse que o câmbio "é motivo de preocupação". O
sr. também está preocupado com
essa questão?
Bernardo - O câmbio, de fato,
merece atenção. Se o real valorizado tem o lado negativo para setores exportadores que perdem alguma rentabilidade, tem também
o lado positivo. A verdade é que o
poder aquisitivo dos trabalhadores aumentou muito. Há barateamento dos bens de capital importados, e, portanto, esperamos
uma maior taxa de investimento
na economia. Não podemos esquecer que o dólar está se desvalorizando em todo o mundo, e
não apenas no Brasil. Na medida
em que o país vai melhorando
seus fundamentos econômicos e
se tornando mais confiável no balanço de pagamentos e na parte
fiscal, ampliam-se os capitais interessados em investir no Brasil.
Folha - O sr. está entre os que julgam o Banco Central conservador?
Bernardo - Defendo que o Banco
Central trabalhe com autonomia.
Com inflação controlada e apontando para menos de 4,5% neste
ano, creio haver condições de
continuar a diminuir os juros.
Imagino que o Banco Central
queira verificar se o quadro positivo na inflação é temporário ou
permanente. Podemos ter neste
ano uma taxa de crescimento
maior do que a taxa de inflação.
Além disso, possivelmente teremos em 2006 a menor taxa nominal e real de juros até hoje, com inflação baixa. A economia continua a gerar empregos, e a renda
dos trabalhadores aumenta.
Folha - Geraldo Alckmin diz que é
preciso mudar a política econômica, diminuir juros, impedir a excessiva valorização do real e cortar
despesas. Boa parte do PT também
prega essas mudanças na política
econômica. O sr. concorda?
Bernardo - O candidato da oposição precisa ser mais claro no seu
discurso. Vai mudar a política
econômica? Qual será a nova política? Acho que assim os agentes
econômicos podem começar a se
preocupar com o "risco Alckmin". Vai diminuir juros? Ótimo.
Como fará isso? Na canetada? Vai
intervir no câmbio flutuante? Vai
fixar uma cotação para o dólar?
Vai retirar a autonomia do BC para executar a política monetária?
Como vai tratar a questão da inflação? Vai mudar a meta de
4,5%? A sociedade cobrará propostas mais elaboradas do que as
generalidades provincianas que
ele dá como receitas. Das maiores
bobagens que já ouvi, uma é que o
compromisso fiscal dele será
maior. Duvido. Nossa determinação em fazer o que precisa ser feito para melhorar a solvência fiscal
do país será muito mais consistente sem prejuízo de nossos programas sociais e da capacidade de
investimento público.
Folha - Mas o próprio PT quer mudar a política econômica...
Bernardo - As cobranças do PT
são as que toda a sociedade faz:
mais crescimento, mais investimento, mais recursos para a área
social. Ninguém é contra isso.
Mas o que estamos fazendo é buscar tudo isso de forma sustentável, tomando o cuidado de não errar e causar retrocesso que ponha
a perder o esforço e os sacrifícios
feitos até agora pelo país.
Folha - No PT, há quem ache Alckmin mais difícil de ser batido do
que seria José Serra. O sr. teme
mais Alckmin?
Bernardo - Qualquer candidato
tem de ser respeitado. A eleição
não será fácil.
Folha - No PSDB, há uma tese de
que o PT se perdeu no poder porque o presidente, de origem humildade, teria se deslumbrado. O ex-presidente FHC a usou numa entrevista. E tucanos costumam dizer
que Lula lidera as pesquisas porque os mais pobres são desinformados e não dão ao mensalão o peso de reprovação que deveriam
dar. O sr. concorda?
Bernardo - A tese é discriminatória, meio fascistóide. É o ranço elitista de achar que alguém de origem humilde não pode pretender
o exercício do poder. É achar que
o pobre não sabe nada de política.
É o rancor de ter de reconhecer
que Lula faz bom governo, que está reduzindo a pobreza e a desigualdade. Está melhorando a vida
do povo, o principal objetivo de
todo governo. E o povo entende.
Folha - O sr. se envergonha do
mensalão e da ruína do pilar ético
do PT?
Bernardo - É inegável que houve
erros, mas não vejo ruína do pilar
ético do PT. O equívoco foi a reprodução de práticas históricas
de outros partidos no Brasil. Houve irregularidades na manipulação de recursos, mas essa história
de mensalão, da maneira como
foi contada, como compra de votos no Congresso, não aconteceu.
A imensa maioria do partido nada teve a ver com esses erros.
Folha - No Congresso, a expectativa é que o corte do Orçamento de
2006 fique entre R$ 19 bilhões e R$
20 bilhões. Qual será o valor?
Bernardo - Esse número é do
Congresso. Estamos analisando
com rigor técnico e fazendo um
esforço grande para que seja menor. Nosso estudo é para ter a
projeção de receitas e a previsão
de despesas com maior precisão e
garantir a meta de superávit. Para
isso, vamos ter que cortar. O valor
será o necessário.
Folha - Qual será o critério?
Bernardo - A orientação do presidente Lula é preservar os programas prioritários, especialmente na área social e nos investimentos na infra-estrutura.
Folha - Quais ministérios serão
mais preservados? E atingidos?
Bernardo - Alguns ministérios
não serão atingidos porque a lei
prevê que não sejam contingenciados. É o caso da Saúde, da Educação, do Desenvolvimento Social, da Ciência e Tecnologia. Os
demais serão atingidos.
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