São Paulo, quarta-feira, 16 de junho de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Brasil x América Latina x China

ANTONIO BARROS DE CASTRO

No debate sobre a economia brasileira, o crescimento está voltando a ganhar espaço. A discussão permanece, contudo, dominada pela questão da sustentabilidade. Compreende-se: se tomarmos como ponto de partida o efêmero surto de expansão verificado no ano de 1980, este país está a um quarto de século atravessando retomadas que não se sustentam!
Por mais importante que seja a questão da sustentabilidade, há, no entanto, que admitir que a discussão sobre o crescimento deveria desdobrar-se em outras direções. Por exemplo: que atividades serão fortalecidas ou, contrariamente, abandonadas ao longo do crescimento? Essa indagação assume particular importância quando, como agora, a economia em foco acaba de passar por grandes transformações, o mesmo podendo ser dito sobre o contexto internacional.
Repare o leitor que, pela primeira vez desde 1930, o Brasil poderá estar em vias de iniciar um ciclo de crescimento na condição de economia aberta, estabilizada e em meio a um contexto internacional que inclui países de baixa renda, em acelerado processo de afirmação. A reflexão a esse respeito pode talvez iniciar-se mediante uma sumária comparação do Brasil com o resto da América Latina e com a China.
O Brasil tem em comum com a China a grande diversidade de sua estrutura industrial. No tocante ao nosso caso, não só porque a substituição de importações foi, neste país, levada até o seu último estágio como, sobretudo, porque (diferentemente do ocorrido no resto da América Latina) a abertura da economia, aqui, não acarretou a perda de indústrias tradicionais (têxteis, confecções, calçados, móveis), e a industria de duráveis não regrediu para a mera montagem. Ou seja, o vasto tecido manufatureiro herdado da fase heróica da industrialização foi, aqui, basicamente preservado.
Por outro lado, cada um a seu modo, Brasil e China têm indústrias esparramadas pelo vasto interior. Dados apresentados por Províncias mostram, aliás -diferentemente do que se costuma afirmar-, o enorme crescimento, na China, da indústria interiorana. No medíocre ritmo brasileiro dos últimos decênios, aqui também diversos Estados diversificaram substancialmente as suas estruturas industriais. Esse é outro ângulo pelo qual podem ser encontradas similitudes entre China e Brasil.
Vejamos agora o que tem em comum a economia brasileira com a da América Latina -além da flagrante instabilidade e da má distribuição de renda. Primeiramente, no Brasil, como em diversas outras economias latino-americanas, houve, nas últimas décadas, uma patente redescoberta das atividades exploradoras de recursos naturais. O vibrante agronegócio brasileiro parece, aliás, fadado a um grande futuro, na economia deste século.
A segunda similitude com a América Latina -esta, sim, complicada- é que o nível de vida que aqui temos foi alcançado na fase pré-abertura. Com efeito, excetuado o caso do Chile, a renda per capita latino-americana, em geral, não mais cresceu, desde o término do ciclo de expansão industrial. Há aqui um flagrante contraste com a China, onde cerca de 80% dos (aproximadamente) US$ 1.000 de renda per capita atuais provêm do crescimento ocorrido nos últimos 25 anos. Para entender a gravidade dessa questão, tomemos o caso argentino.
Em memorável palestra no Instituto de Economia da UFRJ, Daniel Heymann defendeu que um dos maiores problemas da Argentina seria o fato de que, além de não se visualizarem formas de assegurar o crescimento sustentável, não se sabia sequer qual o patamar sustentável da renda (ou riqueza). Para apresentar seu argumento, mostrava um gráfico em que a renda per capita da Argentina (que já foi uma das mais altas do mundo), em diferentes momentos dos últimos 30 anos, era US$ 8.000, ou US$ 14.000, ou US$ 3.000 (cada um desses valores sendo encontrado em diferentes anos). O gráfico parecia sugerir três possíveis Argentinas!
Voltemos ao Brasil. A vasta e diversificada indústria brasileira que aí está contém um grupo de empresas excelentes do ponto de vista de fábricas, gerenciamento e organização do trabalho. Isso lhes permite produzir, a modestos custos, artigos de qualidade "standard" em termos internacionais. Mas acontece que nada disso assegura vantagens no mundo contemporâneo. Artigos de qualidade, a bons preços, não são vantagem, são obrigação, disse-me um industrial há oito anos. Hoje, porém, cada vez mais é possível produzir esses mesmos artigos em países cuja renda per capita seja, digamos, um quarto da nossa (e, suponhamos, os salários também).
Isso parece sugerir que, na divisão internacional do trabalho que se insinua daqui para a frente, a fabricação de artigos de boa qualidade, mas não portadores de diferença ou inovação, "vale"-ou permite alcançar!- apenas US$ 1.000 de renda per capita. Países com renda muito maior ou mudam ou involuem. E o mercado promove as mudanças, via declínio de preços relativos ou, de forma mais espetacular, via migração de fábricas.
Ficam então sugeridas questões até o presente pouco debatidas: em que direção se moverá o crescimento? Como enraizar as vantagens já alcançadas? No meu entender, a capacitação das empresas para incessantemente inovar é um início da resposta ante esse inquietante quadro.


Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.


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