|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Brasil x América Latina x China
ANTONIO BARROS DE CASTRO
No debate sobre a economia
brasileira, o crescimento está voltando a ganhar espaço. A
discussão permanece, contudo,
dominada pela questão da sustentabilidade. Compreende-se: se
tomarmos como ponto de partida
o efêmero surto de expansão verificado no ano de 1980, este país está a um quarto de século atravessando retomadas que não se sustentam!
Por mais importante que seja a
questão da sustentabilidade, há,
no entanto, que admitir que a
discussão sobre o crescimento deveria desdobrar-se em outras direções. Por exemplo: que atividades serão fortalecidas ou, contrariamente, abandonadas ao longo
do crescimento? Essa indagação
assume particular importância
quando, como agora, a economia
em foco acaba de passar por grandes transformações, o mesmo podendo ser dito sobre o contexto
internacional.
Repare o leitor que, pela primeira vez desde 1930, o Brasil poderá
estar em vias de iniciar um ciclo
de crescimento na condição de
economia aberta, estabilizada e
em meio a um contexto internacional que inclui países de baixa
renda, em acelerado processo de
afirmação. A reflexão a esse respeito pode talvez iniciar-se mediante uma sumária comparação
do Brasil com o resto da América
Latina e com a China.
O Brasil tem em comum com a
China a grande diversidade de
sua estrutura industrial. No tocante ao nosso caso, não só porque a substituição de importações
foi, neste país, levada até o seu último estágio como, sobretudo,
porque (diferentemente do ocorrido no resto da América Latina)
a abertura da economia, aqui,
não acarretou a perda de indústrias tradicionais (têxteis, confecções, calçados, móveis), e a industria de duráveis não regrediu para a mera montagem. Ou seja, o
vasto tecido manufatureiro herdado da fase heróica da industrialização foi, aqui, basicamente
preservado.
Por outro lado, cada um a seu
modo, Brasil e China têm indústrias esparramadas pelo vasto interior. Dados apresentados por
Províncias mostram, aliás -diferentemente do que se costuma
afirmar-, o enorme crescimento,
na China, da indústria interiorana. No medíocre ritmo brasileiro
dos últimos decênios, aqui também diversos Estados diversificaram substancialmente as suas estruturas industriais. Esse é outro
ângulo pelo qual podem ser encontradas similitudes entre China e Brasil.
Vejamos agora o que tem em
comum a economia brasileira
com a da América Latina -além
da flagrante instabilidade e da
má distribuição de renda. Primeiramente, no Brasil, como em diversas outras economias latino-americanas, houve, nas últimas
décadas, uma patente redescoberta das atividades exploradoras de
recursos naturais. O vibrante
agronegócio brasileiro parece,
aliás, fadado a um grande futuro,
na economia deste século.
A segunda similitude com a
América Latina -esta, sim, complicada- é que o nível de vida
que aqui temos foi alcançado na
fase pré-abertura. Com efeito, excetuado o caso do Chile, a renda
per capita latino-americana, em
geral, não mais cresceu, desde o
término do ciclo de expansão industrial. Há aqui um flagrante
contraste com a China, onde cerca de 80% dos (aproximadamente) US$ 1.000 de renda per capita
atuais provêm do crescimento
ocorrido nos últimos 25 anos. Para entender a gravidade dessa
questão, tomemos o caso argentino.
Em memorável palestra no Instituto de Economia da UFRJ, Daniel Heymann defendeu que um
dos maiores problemas da Argentina seria o fato de que, além de
não se visualizarem formas de assegurar o crescimento sustentável, não se sabia sequer qual o patamar sustentável da renda (ou
riqueza). Para apresentar seu argumento, mostrava um gráfico
em que a renda per capita da Argentina (que já foi uma das mais
altas do mundo), em diferentes
momentos dos últimos 30 anos,
era US$ 8.000, ou US$ 14.000, ou
US$ 3.000 (cada um desses valores sendo encontrado em diferentes anos). O gráfico parecia sugerir três possíveis Argentinas!
Voltemos ao Brasil. A vasta e
diversificada indústria brasileira
que aí está contém um grupo de
empresas excelentes do ponto de
vista de fábricas, gerenciamento e
organização do trabalho. Isso lhes
permite produzir, a modestos custos, artigos de qualidade "standard" em termos internacionais.
Mas acontece que nada disso assegura vantagens no mundo contemporâneo. Artigos de qualidade, a bons preços, não são vantagem, são obrigação, disse-me um
industrial há oito anos. Hoje, porém, cada vez mais é possível produzir esses mesmos artigos em
países cuja renda per capita seja,
digamos, um quarto da nossa (e,
suponhamos, os salários também).
Isso parece sugerir que, na divisão internacional do trabalho
que se insinua daqui para a frente, a fabricação de artigos de boa
qualidade, mas não portadores
de diferença ou inovação, "vale"-ou permite alcançar!- apenas US$ 1.000 de renda per capita.
Países com renda muito maior ou
mudam ou involuem. E o mercado promove as mudanças, via declínio de preços relativos ou, de
forma mais espetacular, via migração de fábricas.
Ficam então sugeridas questões
até o presente pouco debatidas:
em que direção se moverá o crescimento? Como enraizar as vantagens já alcançadas? No meu entender, a capacitação das empresas para incessantemente inovar
é um início da resposta ante esse
inquietante quadro.
Antonio Barros de Castro, 65,
professor titular da UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e
Social), escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
Texto Anterior: Taxa cai, mas ainda está alta, diz empresário Próximo Texto: Luís Nassif: À espera do futuro Índice
|