São Paulo, sexta-feira, 16 de agosto de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

A política econômica em 2003

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O grande desafio enfrentado pela economia brasileira na transição do longo período FHC para um novo governo é de natureza financeira externa. A necessidade da entrada anual de cerca de US$ 50 bilhões, para manter nossa solvência, condiciona de tal forma o funcionamento de nossa economia que todos os outros problemas -principalmente o baixo crescimento e a queda de renda da população- ficam totalmente dependentes dessa questão. Esse constrangimento financeiro é hoje ainda mais forte, na medida em que vivemos uma crise no Primeiro Mundo de gravíssimas proporções, que está gerando um clima perigoso de aversão ao risco e de redução do fluxo de capitais para países do mundo emergente.
É evidente que enfrentamos também constrangimentos importantes sobre a nossa realidade microeconômica, como o sistema tributário e as elevadas taxas de juros, que precisam ser enfrentados para que um crescimento econômico sustentado possa ser alcançado. Da mesma forma, ações públicas no sentido de enfrentar as gravíssimas questões de disparidade de renda, que existem em nossa sociedade, são necessárias urgentemente. Mas só teremos espaço para isso caso o novo governo estabilize o front externo nos primeiros meses de 2003.
Cabe aqui uma referência a uma famosa frase de Churchill, quando assumiu o governo inglês em 1940: "Temos problemas importantes e urgentes para serem enfrentados. Vou-me dedicar totalmente, nesta primeira fase de meu governo, aos urgentes". Nada mais atual!
Não resta, portanto, ao novo presidente outra alternativa senão definir como sua prioridade número um o enfrentamento da crise externa. Tomando como base o novo acordo com o FMI, ele precisa dizer, sem ambiguidade, que a política econômica estará centrada na estabilização da taxa de câmbio, a partir da normalização do financiamento de nossa conta corrente externa. Esse compromisso é ainda mais crítico nos casos de Lula e de Ciro Gomes, candidatos que, por suas posições no embate eleitoral em curso, despertam enormes dúvidas e receios nos mercados financeiros.
Evidentemente, a dinâmica eleitoral impede, hoje, a tomada de posições muito claras por parte dos dois candidatos da oposição. Uma certa ambiguidade será entendida pelos mercados. Mas, uma vez eleito, o novo presidente terá de assumir uma posição muito clara em relação a essa questão. Caso não assuma esse compromisso, caminharemos muito rapidamente para um colapso de nossas contas cambiais e para uma nova moratória em nossos compromissos externos.
Todos os candidatos mais competitivos, inclusive o senador José Serra, estão assumindo compromissos muito claros com uma mudança de rumo na política econômica atual. Serão eleitos com essa promessa e não poderão faltar com a sociedade. Mas o escolhido pelos brasileiros, em outubro próximo, terá de dizer claramente que em um primeiro momento, devido à crise atual, terá de governar com instrumentos de política econômica que priorizem o ajuste externo. Os objetivos de retomada do crescimento e de políticas sociais mais agressivas estarão condicionados ao sucesso dessa primeira empreitada. Deverá dizer ainda que as lições da crise atual e das outras pelas quais passamos, nos anos do malanismo, foram suficientes para mostrar os riscos de um déficit externo excessivo e que o novo governo terá um programa muito claro para a sua superação. Mais do que afirmar essa prioridade, terá de construir um programa crível para atingir esse objetivo.
Em termos práticos, isso implica dizer que o cumprimento rigoroso dos termos do último acordo com o FMI será prioridade do governo. Já disse que as condicionalidades negociadas pelo governo FHC são razoáveis e estão na direção correta para enfrentar os problemas que estamos vivendo, mas colocam limitações fortes na busca dos objetivos ambiciosos dos candidatos em termos de geração de empregos e de gastos sociais. Além de cumprirmos os compromissos com o FMI, teremos de negociar com nossos credores privados o restabelecimento das linhas comerciais de curto prazo. Isso será possível na medida em que é do interesse deles, que possuem bilhões de dólares emprestados para empresas brasileiras.
O novo presidente vai ter de escolher entre um constrangimento de curto prazo e a possibilidade de governar de acordo com seus objetivos mais para a frente, ou destruir seu mandato no primeiro ano. Estou preparado para ouvir pesadas críticas a essa minha posição clara e consciente. Tenho recebido violentos e-mails de alguns leitores da Folha nesse sentido. Os mais raivosos vêm de eleitores de Ciro Gomes. Cobram-me responsabilidades sobre a situação atual, apesar de eu ter feito parte de um grupo que, durante o primeiro mandato de FHC, tentou com vigor que os caminhos trilhados pelo governo fossem outros.
Mas a vida deve ser vivida olhando para a frente. Neste momento difícil para todos nós, independentemente do candidato escolhido, creio que é o futuro do nosso país que conta. Nada pior para o Brasil hoje do que voltarmos aos tempos da demagogia fácil e do experimentalismo perigoso. As dificuldades que estamos vivendo hoje não podem servir para uma solução simplista de que tudo o que foi feito nos últimos anos tem de ser abandonado e substituído por uma política que negue princípios e políticas que estão totalmente corretos.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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