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OPINIÃO ECONÔMICA
A política econômica em 2003
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
O grande desafio enfrentado
pela economia brasileira na
transição do longo período FHC
para um novo governo é de natureza financeira externa. A necessidade da entrada anual de cerca de
US$ 50 bilhões, para manter nossa
solvência, condiciona de tal forma
o funcionamento de nossa economia que todos os outros problemas -principalmente o baixo
crescimento e a queda de renda da
população- ficam totalmente
dependentes dessa questão. Esse
constrangimento financeiro é hoje
ainda mais forte, na medida em
que vivemos uma crise no Primeiro Mundo de gravíssimas proporções, que está gerando um clima
perigoso de aversão ao risco e de
redução do fluxo de capitais para
países do mundo emergente.
É evidente que enfrentamos
também constrangimentos importantes sobre a nossa realidade
microeconômica, como o sistema
tributário e as elevadas taxas de
juros, que precisam ser enfrentados para que um crescimento econômico sustentado possa ser alcançado. Da mesma forma, ações
públicas no sentido de enfrentar
as gravíssimas questões de disparidade de renda, que existem em
nossa sociedade, são necessárias
urgentemente. Mas só teremos espaço para isso caso o novo governo estabilize o front externo nos
primeiros meses de 2003.
Cabe aqui uma referência a
uma famosa frase de Churchill,
quando assumiu o governo inglês
em 1940: "Temos problemas importantes e urgentes para serem
enfrentados. Vou-me dedicar totalmente, nesta primeira fase de
meu governo, aos urgentes". Nada
mais atual!
Não resta, portanto, ao novo
presidente outra alternativa senão definir como sua prioridade
número um o enfrentamento da
crise externa. Tomando como base o novo acordo com o FMI, ele
precisa dizer, sem ambiguidade,
que a política econômica estará
centrada na estabilização da taxa
de câmbio, a partir da normalização do financiamento de nossa
conta corrente externa. Esse compromisso é ainda mais crítico nos
casos de Lula e de Ciro Gomes,
candidatos que, por suas posições
no embate eleitoral em curso, despertam enormes dúvidas e receios
nos mercados financeiros.
Evidentemente, a dinâmica eleitoral impede, hoje, a tomada de
posições muito claras por parte
dos dois candidatos da oposição.
Uma certa ambiguidade será entendida pelos mercados. Mas,
uma vez eleito, o novo presidente
terá de assumir uma posição muito clara em relação a essa questão.
Caso não assuma esse compromisso, caminharemos muito rapidamente para um colapso de nossas
contas cambiais e para uma nova
moratória em nossos compromissos externos.
Todos os candidatos mais competitivos, inclusive o senador José
Serra, estão assumindo compromissos muito claros com uma mudança de rumo na política econômica atual. Serão eleitos com essa
promessa e não poderão faltar
com a sociedade. Mas o escolhido
pelos brasileiros, em outubro próximo, terá de dizer claramente
que em um primeiro momento,
devido à crise atual, terá de governar com instrumentos de política
econômica que priorizem o ajuste
externo. Os objetivos de retomada
do crescimento e de políticas sociais mais agressivas estarão condicionados ao sucesso dessa primeira empreitada. Deverá dizer
ainda que as lições da crise atual e
das outras pelas quais passamos,
nos anos do malanismo, foram suficientes para mostrar os riscos de
um déficit externo excessivo e que
o novo governo terá um programa
muito claro para a sua superação.
Mais do que afirmar essa prioridade, terá de construir um programa crível para atingir esse objetivo.
Em termos práticos, isso implica
dizer que o cumprimento rigoroso
dos termos do último acordo com
o FMI será prioridade do governo.
Já disse que as condicionalidades
negociadas pelo governo FHC são
razoáveis e estão na direção correta para enfrentar os problemas
que estamos vivendo, mas colocam limitações fortes na busca dos
objetivos ambiciosos dos candidatos em termos de geração de empregos e de gastos sociais. Além de
cumprirmos os compromissos com
o FMI, teremos de negociar com
nossos credores privados o restabelecimento das linhas comerciais
de curto prazo. Isso será possível
na medida em que é do interesse
deles, que possuem bilhões de dólares emprestados para empresas
brasileiras.
O novo presidente vai ter de escolher entre um constrangimento
de curto prazo e a possibilidade de
governar de acordo com seus objetivos mais para a frente, ou destruir seu mandato no primeiro
ano. Estou preparado para ouvir
pesadas críticas a essa minha posição clara e consciente. Tenho recebido violentos e-mails de alguns
leitores da Folha nesse sentido. Os
mais raivosos vêm de eleitores de
Ciro Gomes. Cobram-me responsabilidades sobre a situação atual,
apesar de eu ter feito parte de um
grupo que, durante o primeiro
mandato de FHC, tentou com vigor que os caminhos trilhados pelo
governo fossem outros.
Mas a vida deve ser vivida
olhando para a frente. Neste momento difícil para todos nós, independentemente do candidato escolhido, creio que é o futuro do
nosso país que conta. Nada pior
para o Brasil hoje do que voltarmos aos tempos da demagogia fácil e do experimentalismo perigoso. As dificuldades que estamos vivendo hoje não podem servir para
uma solução simplista de que tudo o que foi feito nos últimos anos
tem de ser abandonado e substituído por uma política que negue
princípios e políticas que estão totalmente corretos.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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