São Paulo, sábado, 16 de agosto de 2008

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Nova lei para internet pode favorecer banco

Para advogados e técnicos, bancos se livram de indenização por fraudes com nova legislação para crimes cibernéticos

Provedores terão de arcar com prejuízos de R$ 500 mi no lugar dos bancos se não identificarem internautas que praticam os golpes


JULIO WIZIACK
GUSTAVO VILLAS BOAS

DA REPORTAGEM LOCAL

Já aprovado pelo Senado e em tramitação na Câmara, o projeto de lei do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) que definirá os crimes praticados na internet ou em qualquer ambiente eletrônico favorecerá as instituições financeiras, segundo afirmam representantes do setor de internet, advogados, consultores e até técnicos da Febraban, a federação que representa os bancos.
Oficialmente, a Febraban não comenta o assunto. Entre os congressistas, é consenso que a instituição foi a mais ativa nas discussões. Os bancos pagam por ano cerca de R$ 500 milhões às vítimas de fraudes na rede, clonagem de cartões e golpes em caixas automáticos.
Hoje eles acabam pagando a conta porque, pelo código de defesa do consumidor, o cliente não é obrigado a provar que sofreu um golpe. Esse papel é dos bancos. Para eles, é mais barato ressarcir o correntista do que investigar a fraude.
Muitas vezes, nem é possível chegar aos criminosos porque os provedores de internet não costumam manter por muito tempo registros de acesso, como o horário de entrada e saída.
O projeto determina que empresas de todos os portes e provedores de internet terão de armazenar esses registros por três anos. Quem não cumprir com essa obrigação pagará multa que vai de R$ 2.000 a R$ 100 mil, independentemente do ressarcimento por perdas e danos às vítimas de golpes.
Advogados consultados pela Folha afirmam que os provedores podem ainda ter de arcar com a indenização aos clientes lesados no lugar dos bancos.
"Há chance de que se inverta o ônus da prova", diz Alexandre Atheniense, presidente da Comissão de Tecnologia da Informação do Conselho Federal da OAB. "O texto deixa uma brecha para essa interpretação."
Outro ponto polêmico é o que define a segurança dos dados armazenados, a auditoria a que eles serão submetidos e a autoridade competente pela auditoria. De acordo com o projeto, esses temas serão definidos por meio de decreto presidencial, sem passar pelos trâmites do Congresso.
É o que diz Pedro Rezende, professor da UnB (Universidade de Brasília). "Existe um risco de que volte à tona a questão da certificação dos internautas", afirma Rezende, que acompanha o projeto desde o início.
A certificação sempre foi defendida pelos bancos. É como uma chave que funciona como "identidade digital" toda vez que for conectada às redes de dados, incluindo a internet. O problema é que, pelo contrato assinado ao adquirir essa "identidade", a responsabilidade passa a ser do titular do certificado, mesmo que ele seja vítima de fraudes.
Advogados, representantes do setor de internet e especialistas que acompanharam as reuniões com Azeredo consideram que empresas de segurança de dados e certificadoras digitais serão beneficiadas futuramente com a lei.
A Scopus, que cuida da infra-estrutura de "internet banking" do Bradesco, incluindo a certificação, seria uma das beneficiadas. Nas eleições de 2002, a empresa -que pertence ao Bradesco- doou R$ 150 mil à campanha de Azeredo. O senador nega qualquer favorecimento aos bancos na nova lei (leia texto à pág. B12).
Os críticos não condenam a natureza do projeto. Segundo Eduardo Parajo, presidente da Abranet, a associação dos provedores, a tipificação dos crimes é necessária. "O armazenamento dos dados colabora em eventuais investigações", diz. "O que surpreende é que isso tenha de valer para qualquer rede de computadores."
Para Rezende, da UnB, esse é um dos motivos da polêmica. "O projeto se vale de argumentos pertinentes, como o fornecimento de dados em casos de investigação de crimes para favorecer os bancos", diz.


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