São Paulo, sábado, 16 de setembro de 2006

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ARTIGO

Tecnologia perturba mercado

GILSON SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os setores econômicos de ponta da maior economia do planeta, fármacos e TICs (tecnologias de informação e telecomunicação) atravessam uma crise de confiança que já atinge os mercados de capitais dos Estados Unidos.
As causas vão do "backdating" (alteração ilegal na data de compra de papéis financeiros para simular ganhos irreais) ao vigor renovado das regras de governança corporativa da "nova economia" (com maiores exigências de "disclosure", ou transparência). O próprio vigor da inovação tecnológica não caiu depois da "bolha" dos anos 90, da engenharia genética ao software livre, criando fortunas e dizimando empresas e setores. O novo mundo surge aos tropeços e gerando incertezas. Para os mais pessimistas, a incerteza é sistêmica e veio para ficar, parte desse novo capitalismo do conhecimento.
O aperto regulatório é global. Na União Européia, Intel e Microsoft têm enfrentado batalhas jurídicas em mercados mutantes. Uma débâcle de boas práticas de governança corporativa parece ter atingido a HP, cuja cúpula desmoronou. Escândalos e processos afetam a área farmacêutica, caso da Bristol-Myers. Até onde executivos apenas exploraram racionalmente novas oportunidades de ganho, onde começaram a ocorrer rupturas com as regras e a ética, eis a questão.

Alta pressão
Na alta tecnologia há uma pressão brutal de investidores, muitos ainda sonhando com um bilhete premiado como o Google e o próprio Orkut. Os fundos de "venture capital" também perderam dinamismo. Os melhores negócios, que continuam surgindo de modo contínuo, ficam com uma elite nos mercados de risco.
Especialmente depois de escândalos como o das empresas Enron e WorldCom, as agências reguladoras e fiscalizadoras tornaram-se mais rigorosas. As regras evoluíram com a lei Sarbanes-Oxley -uma reforma das práticas das empresas de capital aberto "desenhada para manter as empresas honestas", no dizer do "Wall Street Journal".
Há pesquisas sugerindo que os "desvios" de comportamento nas cúpulas das grandes corporações globais não são casuais ou localizadas. Quase 30% do mercado de capitais estaria contaminado, segundo o economista Erik Lie, citado no mesmo "Wall Street Journal".
É uma notícia ruim para poupadores com economias aplicadas nessas empresas. Pode ser um custo alto e inerente a um sistema tecnológico que evolui sob tamanhas pressões.
Mudanças setoriais aumentam a pressão sobre executivos e empresas de alta tecnologia: pode não ser tão fácil animar os investidores no setor de PCs, agora que passou a era de crescimento rápido. O que já foi nicho da HP e da Dell (também em apuros), foi abandonado em tempo pela IBM em favor de uma chinesa (Lenovo) e pode ter uma sobrevida se, por exemplo, países mais pobres consumirem mais computadores baratos.
A cultura digital evoluiu para o paradigma da mobilidade e da portabilidade. Ou seja, o cenário inclui uma criativa instabilidade tecnológica e de modelos de negócios em muitos setores, inovação contínua que em alguns casos perturba o mercado de capitais.

Incentivo à honestidade
Segundo o professor Ryan LaFond, do MIT, citado pelo "Wall Street Journal", haveria incentivos financeiros para seguir as leis: seria mais barato captar dinheiro de investidores mais confiantes e conhecedores do negócio e de sua sustentabilidade, em parte como reflexo de maiores e melhores controles internos sobre as empresas.
LaFond rastreou 221 empresas que admitiram fragilidade em seus controles internos. Acompanhou seus investimentos em governança e constatou queda no custo do crédito. Para especialistas como Baruch Lev, da Universidade de Nova York, é na criação de uma ecologia institucional com padrões adequados de governança corporativa que reside o futuro do mercado de capitais global. Chineses, indianos e israelenses já sabem disso, mas preferem listar suas empresas em Wall Street mesmo.
O mercado volta a falar em "destruição criativa", termo criado pelo economista Schumpeter, especialista em desenvolvimento econômico e tecnologia, considerado um pensador clássico do século 20.
Índia e China freqüentam os novos pesadelos de quem investiu em tecnologia nos Estados Unidos e na União Européia.
Alguns economistas traduzem "creative" por "criadora", para lembrar o dinamismo das novas tecnologias, sobretudo nos campos da engenharia da vida e no controle digital de máquinas inteligentes.
Mas o "creative" pode ter outro sentido à luz mais rigorosa das agências reguladoras e de uma opinião pública cada vez mais informada, características dos mercados de capitais no mundo desenvolvido.


GILSON SCHWARTZ é professor de economia da informação na ECA-USP

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