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ARTIGO
Tecnologia perturba mercado
GILSON SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os setores econômicos de
ponta da maior economia do
planeta, fármacos e TICs (tecnologias de informação e telecomunicação) atravessam uma
crise de confiança que já atinge
os mercados de capitais dos Estados Unidos.
As causas vão do "backdating" (alteração ilegal na data
de compra de papéis financeiros para simular ganhos irreais) ao vigor renovado das regras de governança corporativa
da "nova economia" (com
maiores exigências de "disclosure", ou transparência). O
próprio vigor da inovação tecnológica não caiu depois da
"bolha" dos anos 90, da engenharia genética ao software livre, criando fortunas e dizimando empresas e setores. O
novo mundo surge aos tropeços e gerando incertezas. Para
os mais pessimistas, a incerteza
é sistêmica e veio para ficar,
parte desse novo capitalismo
do conhecimento.
O aperto regulatório é global.
Na União Européia, Intel e Microsoft têm enfrentado batalhas jurídicas em mercados
mutantes. Uma débâcle de boas
práticas de governança corporativa parece ter atingido a HP,
cuja cúpula desmoronou. Escândalos e processos afetam a
área farmacêutica, caso da Bristol-Myers.
Até onde executivos apenas
exploraram racionalmente novas oportunidades de ganho,
onde começaram a ocorrer
rupturas com as regras e a ética,
eis a questão.
Alta pressão
Na alta tecnologia há uma
pressão brutal de investidores,
muitos ainda sonhando com
um bilhete premiado como o
Google e o próprio Orkut. Os
fundos de "venture capital"
também perderam dinamismo.
Os melhores negócios, que continuam surgindo de modo contínuo, ficam com uma elite nos
mercados de risco.
Especialmente depois de escândalos como o das empresas
Enron e WorldCom, as agências reguladoras e fiscalizadoras tornaram-se mais rigorosas. As regras evoluíram com a
lei Sarbanes-Oxley -uma reforma das práticas das empresas de capital aberto "desenhada para manter as empresas
honestas", no dizer do "Wall
Street Journal".
Há pesquisas sugerindo que
os "desvios" de comportamento nas cúpulas das grandes corporações globais não são casuais ou localizadas. Quase
30% do mercado de capitais estaria contaminado, segundo o
economista Erik Lie, citado no
mesmo "Wall Street Journal".
É uma notícia ruim para poupadores com economias aplicadas nessas empresas. Pode ser
um custo alto e inerente a um
sistema tecnológico que evolui
sob tamanhas pressões.
Mudanças setoriais aumentam a pressão sobre executivos
e empresas de alta tecnologia:
pode não ser tão fácil animar os
investidores no setor de PCs,
agora que passou a era de crescimento rápido. O que já foi nicho da HP e da Dell (também
em apuros), foi abandonado em
tempo pela IBM em favor de
uma chinesa (Lenovo) e pode
ter uma sobrevida se, por
exemplo, países mais pobres
consumirem mais computadores baratos.
A cultura digital evoluiu para
o paradigma da mobilidade e da
portabilidade. Ou seja, o cenário inclui uma criativa instabilidade tecnológica e de modelos
de negócios em muitos setores,
inovação contínua que em alguns casos perturba o mercado
de capitais.
Incentivo à honestidade
Segundo o professor Ryan
LaFond, do MIT, citado pelo
"Wall Street Journal", haveria
incentivos financeiros para seguir as leis: seria mais barato
captar dinheiro de investidores
mais confiantes e conhecedores do negócio e de sua sustentabilidade, em parte como reflexo de maiores e melhores
controles internos sobre as empresas.
LaFond rastreou 221 empresas que admitiram fragilidade
em seus controles internos.
Acompanhou seus investimentos em governança e constatou
queda no custo do crédito.
Para especialistas como Baruch Lev, da Universidade de
Nova York, é na criação de uma
ecologia institucional com padrões adequados de governança corporativa que reside o futuro do mercado de capitais
global. Chineses, indianos e israelenses já sabem disso, mas
preferem listar suas empresas
em Wall Street mesmo.
O mercado volta a falar em
"destruição criativa", termo
criado pelo economista
Schumpeter, especialista em
desenvolvimento econômico e
tecnologia, considerado um
pensador clássico do século 20.
Índia e China freqüentam os
novos pesadelos de quem investiu em tecnologia nos Estados Unidos e na União Européia.
Alguns economistas traduzem "creative" por "criadora",
para lembrar o dinamismo das
novas tecnologias, sobretudo
nos campos da engenharia da
vida e no controle digital de
máquinas inteligentes.
Mas o "creative" pode ter outro sentido à luz mais rigorosa
das agências reguladoras e de
uma opinião pública cada vez
mais informada, características
dos mercados de capitais no
mundo desenvolvido.
GILSON SCHWARTZ é professor de economia
da informação na ECA-USP
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