São Paulo, quarta, 16 de setembro de 1998

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LUÍS NASSIF

As veias abertas

Rechaçado o segundo ataque especulativo à moeda, o grande desafio será reforçar as barricadas para segurar uma terceira onda -que poderá ser fatal.
Especialistas de mercado, ouvidos pelo "Boletim Eletrônico" da Agência Dinheiro Vivo, definiram as seguintes linhas de ação para fechar as veias abertas ao capital especulativo:
1) Antecipação de remessas de lucros e dividendos. Na teoria, a saída ocorre pelo mercado do dólar comercial, mas alguns operadores afirmam que há dinheiro migrando pelo segmento do flutuante. Nesse caso, a operação pode ser desfeita, porque, segundo o mercado, não segue as regras do Banco Central. Basta apertar a fiscalização porque a operação deixa rastros no caminho. Analistas apontam também um método clássico para impedir as saídas pelo flutuante: deixar o preço da moeda oscilar ao sabor da demanda e oferta. A cotação do dólar tende a subir e o ágio da operação acaba punindo quem quer remeter o dinheiro para fora.
Fala-se também na possibilidade de aumento dos tributos incidentes sobre a operação, mas na "cabeça" do mercado é algo que o BC detestaria fazer, por conta da sinalização que daria -a de "controle" sobre a moeda estrangeira.
2) Remessas de pessoa física/CC5 (contas de não-residentes). Não há números, mas nas mesas de câmbio é dado como certo o fato de que o volume de remessas de pessoas físicas saltou nas duas últimas semanas, O mercado trabalha com duas formas básicas de controle: a) aumento do Imposto de Renda (IR) ou do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incidente sobre a operação; b) deixar o ágio do flutuante aumentar. A terceira via apontada por analistas é aumentar o controle burocrático sobre as operações.
3) Anexo 6 (dólares para aplicação no mercado de renda fixa). Estima-se que haja cerca de US$ 3 bilhões em estoque no país. O dinheiro migra pelo mercado do dólar comercial e vai motivado pela insegurança. Para essa porta, há uma única sugestão para estancar a sangria: aumento dos impostos.
4) Pré-pagamento de eurobônus. Teoricamente, as saídas destinadas à antecipação de pagamentos de bônus têm de ser fechadas no comercial. Esse tipo de operação não estaria devido aos seguintes aspectos: 1) nenhuma empresa vai abrir mão de caixa para pagar um passivo antecipadamente; 2) sai muito caro fazer isso hoje. Ainda assim, existem comentários sobre empresas que estão fechando a operação. Sugestão para controle: aumentar o IR incidente sobre as operações; aumentar o rigor e a fiscalização.
5) Remessa de principal: subiu o número de empresas que remete um pouco de seu próprio caixa para o exterior. Fazem isso via contas CC5, no flutuante. O mercado aponta nas seguintes formas de controle: a) aumento do controle burocrático; b) sinalizar maior imposto sobre as operações de entrada de capital no Brasil. Argumento: se souber que pagará mais para trazer dinheiro ao país no futuro, o empresário tenderia a reduzir as remessas hoje.

Anexo 4
Quanto a fechar o Anexo 4 (que regula as aplicações em Bolsas), considera-se que pouca coisa pode fazer para impedir a fuga de dólares. Poderia adotar basicamente dois tipos de postura: radical ou incentivadora.
A primeira implicaria num controle de entradas e saídas mais rígido, podendo até fechar as saídas via anexo 4 para reavaliar as medidas destinadas a interromper a perda de reservas cambiais. A segunda incluiria medidas de incentivo fiscal ou, então, de flexibilização ainda maior dos investimentos estrangeiros no país.
Segundo o "Boletim Eletrônico", ambas as providências são igualmente improváveis. A primeira, mais radical, porque sabe-se que o resíduo de investimentos estrangeiros em renda variável, hoje cerca de US$ 5 bilhões, está basicamente concentrado em ações de 2ª e 3ª linha, de menor liquidez, mais difíceis de serem vendidas.
Já a segunda opção para conter a sangria dos dólares, de incentivo fiscal de alguma espécie, pode revelar-se inútil. A zeragem do IR cobrado dos investidores estrangeiros de renda fixa mostrou que medidas desse tipo são insuficientes quando estão em jogo questões como maxidesvalorização ou centralização cambial e medo de moratória.

Fogos de artifício
Até um mês atrás a Vigilância Sanitária era vista como um dos órgãos menos eficientes do governo. Tanto que permitiu a expansão sem paralelo da indústria de falsificação de remédios.
Após o episódio dos anticoncepcionais de farinha, ganhou projeção, embora nada garanta que tenha conquistado eficiência, e passou a render manchete. Chega-se, agora, a essa situação insólita de ganhar espaço digno da crise asiática porque descobriu-se uma cartela (!) que continha apenas 20 pílulas anticoncepcionais, contra 21 anunciadas na embalagem.
De repente uma estrutura viciada, antes de passar por um processo de reestruturação e controle, ganha o poder de, por conta da falta de uma pílula na embalagem, jogar o nome de qualquer empresa no noticiário.
Para o fiscal inescrupuloso -que é minoria, mas existe- vai ser uma farra.

E-mail: lnassif@uol.com.br



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