São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

Governo desorientado e impostos


Lula quer tributar menos e investir mais. Vai fazer mais dívida? Plano não faz sentido no curto e no longo prazos

O PRESIDENTE parece uma daquelas donas-de-casa ricas que nada entendem de economia doméstica. Num certo dia, a dona-de-casa acorda invocada, como sói acontecer com Lula, e aparece na cozinha a dar ordens. Quer um jantarzão pronto em meia hora e proíbe todo mundo de ir ao mercado (ou à feira, digamos, para usar palavra menos suspeita). É a impressão que dá a barafunda da "nova política econômica" que se discute para o segundo mandato. Lula quer baixar impostos para incentivar investimentos privados e quer que o governo invista mais também. Mas não vai cortar gasto social. Isto é, quer colocar fermento na dívida pública.
Há impostos demais mesmo no Brasil. Empresários buzinam no ouvido de Lula que, com menos imposto, investem mais. É possível baixar uma ou outra alíqüota distorcida ou incentivar a entrada de um novo tipo de negócio no país. No curto prazo, ano que vem, o efeito no PIB, se algum, será mínimo. Há o risco de apenas o empresário do setor beneficiado embolsar o incentivo fiscal. Há despesas que crescem sem o governo mexer um dedo: saúde, educação, Previdência. "E os juros?"
Sim, os juros são terríveis e a política monetária merece várias vaias. Mas cerca de 68% do aumento de impostos federais desde 1999 destinou-se a pagar os gastos em alta no INSS, a Previdência (por que 1999? Foi aí que, no pós-Real, se começou a fazer superávit primário, a economia feita para pagar juros, como se diz). Os juros levaram parte menor da alta de impostos; os juros não pagos se empilham na dívida pública. Era preciso tirar milhões da miséria extrema? Era, e ainda há montes de gente na miséria. Mas, para investir em melhoria social duradoura e para haver emprego, não há mais como aumentar gasto corrente.
Aumentos de impostos destinados a gastos correntes do governo (os que não são investimentos) contêm a expansão da capacidade produtiva no setor público e no privado. Isenções de impostos limitadas podem ter efeito quase nulo sobre o aumento da capacidade produtiva (investimentos) e podem conter a queda da taxa de juros (pois o governo tende a ficar no vermelho). Juro menor incentiva o investimento e beneficia mais gente que isenções localizadas de impostos.
O BC poderia ter reduzido os juros mais depressa? Sim, e ainda pode. Com menos juros e gastos correntes (salários, INSS etc.), a dívida, as taxas de juros e os pagamentos de juros cairiam mais rapidamente.
Há algo a fazer já, além disso? Sim. Há dezenas de bilhões de reais em investimentos parados devido a idiotices burocráticas, falta de regras e inércia administrativa do governo.
Destravar tais investimentos seria a medida de efeito mais concreto e imediato que o governo pode tomar. Baixar impostos agora é uma medida conservadora, que tende a impedir investimentos sociais (água limpa, esgotos, educação) e piorar a qualidade do gasto público total.
Importa, já, conter a despesa: em juros, salários, INSS, cartilhas do Gushiken, em tudo. E pensar no longo prazo: educação, melhoria social estrutural por meio de investimento público e em como o Estado pode ajudar as empresas a se tornarem mais produtivas e tecnológicas. O resto parece pirotecnia.
vinit@uol.com.br


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