São Paulo, sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

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FORA DO FUNDO

Dois dias depois da decisão do Brasil, governo Kirchner anuncia pagamento de débitos com a instituição

Argentina também quitará dívida com FMI

FLÁVIA MARREIRO
DE BUENOS AIRES

Dois dias depois do Brasil, o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, anunciou ontem o pagamento total da dívida do país vizinho com o FMI (Fundo Monetário Internacional). Até o final do ano, serão pagos US$ 9,8 bilhões que venceriam até 2008. A quitação antecipada economizará US$ 840 milhões em juros.
Em discurso duro e emocionado na Casa Rosada, transmitido ao vivo por todas as TVs, Kirchner afirmou que a medida representava um "fim de uma época" e voltou a fazer duras críticas ao Fundo. "Estamos sepultando um ignominioso passado de um endividamento eterno e infinito."
O presidente argentino disse que, para saldar a dívida, serão usados "reservas internacionais de livre disponibilidade" e que a medida terá impacto monetário "neutro". Os vencimentos com o FMI eram de US$ 5,1 bilhões no ano que vem, US$ 4,6 bilhões em 2007 e US$ 432 milhões em 2008.
Kirchner informou que o gesto era uma resposta aos céticos e a quem crê que só há uma receita para crescer. "Nos querem fazer crer que a realidade é intocável."
A cerimônia com tema "surpresa" foi convocada às pressas no começo da noite de ontem e reuniu governadores, empresários e até militantes da Associação das Mães das Praça de Maio. Após o anúncio, parte da platéia gritou "Argentina! Argentina!".
Kirchner não mencionou que o Brasil tomou, na segunda-feira, a decisão de saldar sua dívida com o Fundo de US$ 15,5 bilhões. Lembrou que se "desendividar" era uma meta desde que assumiu, em 2003. Mas afirmou que a medida foi tomada em sintonia com os presidentes da região, em especial, com Luiz Inácio Lula da Silva, a quem agradeceu. Em coletiva, a ministra da Economia, Felisa Miceli, mencionou a "receptividade" ao pagamento da dívida brasileira como um dos motivos para que a Argentina seguisse.
Kirchner agradeceu ao colega venezuelano Hugo Chávez pela "ajuda permanente". A Venezuela comprou recentemente US$ 950 milhões em papéis argentinos e ontem se especulava que o país aportaria mais recursos.

Reforma no FMI
Apesar do duro ataque ao FMI e às receitas ortodoxas que geram "pobreza e dor", Kirchner afirmou que o ambiente econômico é "previsível" e que serão mantidos os níveis de superávit primário e a política cambial. Com os rumores do anúncio, a Bolsa de Buenos Aires fechou em alta de 1,9% ontem.
Para sinalizar que a medida não é um rompimento definitivo com o FMI, o presidente declarou que o pagamento total não pode ser um "obstáculo" na relação com o Fundo, mas um reforço na "independência" para defender reformas no organismo.
Cerca de uma hora depois do discurso de Kirchner, o presidente do FMI, Rodrigo Rato, felicitou a Argentina. Anteontem, ele sugeriu que o país vizinho seguisse o exemplo brasileiro, no pagamento da dívida e nos instrumentos da política econômica, como taxa de juros.
Diferentemente do Brasil, a Argentina se recusava, na negociação que iniciava com o FMI, a aumentar as taxas de juros e valorizar o peso diante do dólar (o dólar fechou ontem em 3,03 pesos).
O fato de não seguir as receitas do Fundo carrega a decisão argentina de um peso político maior- o que foi explorado por Kirchner, que fez um balanço de sua gestão e agradeceu à população pelo êxito do governo nas eleições legislativas de outubro.
No discurso do governo, o FMI foi um dos grandes responsáveis pela grave crise econômica que atingiu o país vizinho em 2001. A Argentina suspendeu os pagamentos da dívida e entrou em moratória. Em fevereiro deste ano, conseguiu que cerca de 76% de credores aceitassem trocar títulos velhos da dívida, em "default", por novos, com valor menor. A dívida antiga passou de US$ 62 bilhões, para cerca de US$ 35,3 bilhões, depois da reestruturação.


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