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PAULO RABELLO DE CASTRO
A cratera
Sem licença metafórica, a maior cratera que nos engole a todos, todos os dias, é a assombradora tributação
A CRATERA que nos devora súbita e inapelavelmente é um filme de horror tornado realidade pela tragédia da última semana.
São Paulo amanheceu chorando,
com a sensação irremovível de absoluta insegurança ("Também pode
acontecer comigo!") típica do pavor
coletivo, regado e cultivado por anos
e anos de desesperança crescente
nas instituições públicas, a começar
pela cratera de segurança, caindo na
vala da saúde, passando pelos grotões da educação pública, até cairmos no tedioso estancamento de
uma economia que patina e derrapa
entre paus, pedras e lama derramados morro abaixo sobre nossas cabeças. A cratera é produto da neo-anarquia que nos desgoverna.
Sem licença metafórica, a maior
cratera que nos engole a todos, todos
os dias, é a assombradora tributação.
Somos uma geração que não viu nada além de aumento de impostos, taxas e contribuições de toda natureza,
alimentando a máquina pantagruélica do setor público.
É um fosso que cresce, como trinca
tectônica, à média de um ponto percentual do PIB ao ano, há pelo menos 12 anos.
A chamada carga tributária, uma medida do peso dos impostos em relação ao que se produz
anualmente no país (o Produto Interno Bruto ou PIB), indica que a inclinação de subida vem sendo dramática: de uma média de 26% do PIB
até 1994, a carga de tributos no Brasil
evoluiu para cerca de 38% do PIB no
ano passado, ou seja, o Estado, nos
seus três níveis de gastança, veio
acrescentando uma carga adicional
desmesurada de tributos, a cada
exercício fiscal, de modo a dar saltos
anuais de arrecadação, muito acima
do ritmo do crescimento das atividades dos cidadãos que financiam os
poderes públicos.
Mas que ritmo assustador é esse,
afinal? Talvez por bloqueio psicológico, talvez por auto-engano, nunca
paramos para perguntar quanto o
Estado precisa sacar de cada um de
nós para fazer sua própria arrecadação crescer tão rápido na participação que amealha do PIB nacional.
Mas tentemos, por uma vez, fazer essa conta.
Em 2005, a carga tributária encostou em 37% do PIB. Considerando a
produção nacional igual a 100, o que
chamamos de governo agarrou para
si 37 unidades daquele bolo de 100.
Em 2006, o tal PIB mal cresceu cerca
de 2,5%, quer dizer, subiu de 100 para 102,5, descontada uma pequena
inflação. Finalmente, a tributação
avançou de 37% para 38% desse PIB,
passando de 37 para 38,95 unidades
de arrecadação.
Já podemos medir, então, o avanço real e efetivo da carga tributária: o
PIB do Brasil avançou 2,5 unidades,
enquanto a carga impositiva avançou 1,95 unidade. Comparando, para
medir a carga, o avanço de um sobre
o avanço do outro nos dá o seguinte
resultado: 0,78 ou 78%. Essa é a efetiva carga tributária em 2006, aquela
que os economistas chamam de carga "na margem", ou seja, a comparação do avanço das duas magnitudes.
É absolutamente relevante enunciar a carga tributária brasileira em
78%, não em 38%. Primeiro porque
denuncia o que de fato sentimos: estamos todos, ou quase todos, metidos numa enorme cratera tributária.
Só ela avança no país. Segundo: com
uma carga de 78%, quem realizará
investimentos?
Para ficar com 38% do PIB em
2006, o governo teve que comer 78%
do avanço desse mesmo PIB, deixando míseros 22% com quem produziu
mais. Quem avançará quando são
confiscados 4/5 do avanço? Não há a
menor chance de o investimento
crescer significativamente, enquanto o governo morde e devora toda a
margem de ganho e de lucros, sem os
quais não haverá reinvestimentos.
Vêm agora os que estão no alto do
buraco nos lançar cordas de resgate,
como o anunciado e já adiado PAC
(Programa de Aceleração do Crescimento), que promete, entre outras
bondades, selecionar quem pagará
menos impostos, evidentemente à
custa de empurrar mais gente e patrimônios para dentro da cratera.
Não há plano de resgate para os
desesperados brasileiros, enquanto
a regra principal do neo-anarquismo nacional prevalecer: o governo
legislando só em interesse próprio,
da sua máquina e dos seus políticos,
insensível ao perigo que causa a todos com uma carga explosiva de tributos, cuja voracidade já minou as
bases do progresso econômico do
Brasil. Impedir que esse tatu gigante, encastelado no poder, cada vez
menos representativo e legítimo,
continue a cavar por debaixo de nossos pés é a única providência que
nosso depauperado coletivo passivo
ainda reza por ver acontecer.
PAULO RABELLO DE CASTRO, 58, doutor em economia
pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do
Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora
de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria
econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da
Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias,
nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br
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