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SEM CASTIGO
Constran, de Olacyr de Moraes, e Stenobras, compram área; negócio pode dar prejuízo de R$ 13 mi ao Tesouro
BC investiga venda de terreno do Crefisul
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DA REPORTAGEM LOCAL
O Banco Central (BC) investiga
operação suspeita que envolve a
liquidação do banco Crefisul e os
empresários Ricardo Mansur e
Olacyr de Moraes. Trata-se de um
negócio polêmico, difícil de ser
invertido, segundo o próprio BC,
e que poderá custar pelo menos
R$ 13 milhões aos cofres públicos
e aos credores do Crefisul.
O caso é aparentemente simples. Trata da venda de um terreno de 700 mil metros quadrados
localizado no município de Mauá,
Grande São Paulo. O imóvel está
registrado na contabilidade do
Crefisul por R$ 18 milhões. Era esse o valor atribuído ao terreno
quando o BC decretou, em março
de 1999, a liquidação do banco
controlado por Ricardo Mansur.
Apesar do registro contábil, o
terreno em Mauá será quitado em
dezembro deste ano por R$ 5 milhões, conforme contrato obtido
pela Folha. Os compradores são
as construtoras Constran, de
Olacyr de Moraes, e Stenobras, ligada ao Banco Rural.
Fecharam um negócio com os
executivos de Mansur, antes da liquidação, e agora vêem o BC discordar do desconto atípico. As
duas construtoras sustentam que
estão pagando valor justo pela
propriedade.
Especialistas ouvidos pela Folha
informaram que o imóvel valeria
cerca de R$ 7 milhões. Mas, se for
considerada a obra do Rodoanel,
que passa a 300 metros do terreno, o preço do lote sobe para cerca
de R$ 30 milhões.
É aí que entram dados nebulosos do negócio. A Constran é uma
das empresas responsáveis pela
obra. Segundo o Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.),
sempre se soube que a parte do
Rodoanel que tangencia o terreno
começaria a ser construída em
2002. Coincidentemente, o mesmo ano em que as duas construtoras vão quitar a compra do terreno e em que o imóvel poderá ter
seu valor quadruplicado.
Ao comprar o lote em parceria
com a Stenobras, a Constran retomará imóvel que já lhe pertenceu.
O terreno havia sido dado em pagamento de dívida de R$ 10 milhões, contraída pela Constran no
Crefisul no início dos anos 90. Essa avaliação, feita há uma década,
é outro indício de que o desconto
foi indevido, na opinião do BC.
"A interpretação do Banco Central sobre esse negócio está errada
e eu estou cheio desses "Sherlock
Holmes'", disse Olacyr de Moraes
à Folha. A comparação com o famoso inspetor dos livros de Conan Doyle parece digna da ironia.
A diretoria do BC sustenta que
desconhecia o negócio. "Esses documentos não existiam no Crefisul, não eram do conhecimento
do liquidante anterior nem do
atual. Só soubemos há poucos
meses por uma denúncia anônima", informou o consultor Marco
Antônio Belém, da Diretoria de
Finanças Públicas do BC.
Não há evidência de que o atual
liquidante, Ney Myiamoto, soubesse da transação. Mas seu antecessor, Flávio de Souza Siqueira,
não só conhecia o caso como assinou carta em 4 de maio de 2000,
obtida pela Folha, dizendo que
nada tinha a se opor à venda.
Conforme revelou a Folha há
duas semanas, Flávio Siqueira é
alvo da CPI do Proer, que abriu
investigação sobre irregularidades cometidas por liquidantes no
Bamerindus. Antes de assumir o
Crefisul, Siqueira respondeu pela
liquidação do banco paranaense
entre 1997 e 1999, período em que
seu patrimônio pessoal subiu de
R$ 769 mil para R$ 1,757 milhão.
A direção do BC decidiu inspecionar no Crefisul no próximo
mês. Vai mandar para São Paulo
fiscais para checarem procedimentos e conferirem negócios recentes firmados pelos liquidantes,
inclusive o do terreno de Mauá.
Contradição com Justiça
O caso do Crefisul revela mais
uma contradição entre práticas
do BC e da Justiça que está se
opondo à venda do terreno. Decisão tomada no fim do ano passado pelo Conselho Superior do Tribunal de Justiça de SP diz que o
Crefisul já estava em liquidação
quando se tentou registrar a transação e, por isso, nega o reconhecimento da venda. A Stenobras
realmente só procurou o cartório
de imóveis de Mauá para legalizar
a operação em 2001. A construtora alega que havia um contrato de
gaveta registrado no cartório de
títulos e documentos de Mauá.
Mas, segundo especialistas, esse
tipo de contrato particular não
tem valor neste caso.
Apesar do embargo judicial, o
BC não considera garantida a reversão do negócio e, portanto, decidiu cobrar dos ex-diretores do
Crefisul que assinaram a transação indenização pelo prejuízo
causado e enviar ao Ministério
Público Federal denúncia contra
eles. Procurados pela Folha, os
ex-diretores do Crefisul que assinaram os contratos de venda não
quiseram se pronunciar. O advogado do banco, Nelson Felmanas,
afirmou desconhecer o caso.
Quando fechou as portas das 13
agências do Crefisul, o BC tinha a
receber R$ 130 milhões do banco
controlado pelo empresário Ricardo Mansur, que também era
dono das lojas Mappin e Mesbla.
Com a venda do terreno de
Mauá, o desconto de R$ 13 milhões vai se transformar em mais
uma dívida do Crefisul com o BC.
Como disse uma vez o presidente
do BC, Armínio Fraga, o dinheiro
para pagar essa conta vai sair "do
meu , do seu, do nosso".
(WLADIMIR GRAMACHO e ÉRICA FRAGA)
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