São Paulo, domingo, 17 de fevereiro de 2002

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SEM CASTIGO

Constran, de Olacyr de Moraes, e Stenobras, compram área; negócio pode dar prejuízo de R$ 13 mi ao Tesouro

BC investiga venda de terreno do Crefisul

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

DA REPORTAGEM LOCAL

O Banco Central (BC) investiga operação suspeita que envolve a liquidação do banco Crefisul e os empresários Ricardo Mansur e Olacyr de Moraes. Trata-se de um negócio polêmico, difícil de ser invertido, segundo o próprio BC, e que poderá custar pelo menos R$ 13 milhões aos cofres públicos e aos credores do Crefisul.
O caso é aparentemente simples. Trata da venda de um terreno de 700 mil metros quadrados localizado no município de Mauá, Grande São Paulo. O imóvel está registrado na contabilidade do Crefisul por R$ 18 milhões. Era esse o valor atribuído ao terreno quando o BC decretou, em março de 1999, a liquidação do banco controlado por Ricardo Mansur.
Apesar do registro contábil, o terreno em Mauá será quitado em dezembro deste ano por R$ 5 milhões, conforme contrato obtido pela Folha. Os compradores são as construtoras Constran, de Olacyr de Moraes, e Stenobras, ligada ao Banco Rural.
Fecharam um negócio com os executivos de Mansur, antes da liquidação, e agora vêem o BC discordar do desconto atípico. As duas construtoras sustentam que estão pagando valor justo pela propriedade.
Especialistas ouvidos pela Folha informaram que o imóvel valeria cerca de R$ 7 milhões. Mas, se for considerada a obra do Rodoanel, que passa a 300 metros do terreno, o preço do lote sobe para cerca de R$ 30 milhões.
É aí que entram dados nebulosos do negócio. A Constran é uma das empresas responsáveis pela obra. Segundo o Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.), sempre se soube que a parte do Rodoanel que tangencia o terreno começaria a ser construída em 2002. Coincidentemente, o mesmo ano em que as duas construtoras vão quitar a compra do terreno e em que o imóvel poderá ter seu valor quadruplicado.
Ao comprar o lote em parceria com a Stenobras, a Constran retomará imóvel que já lhe pertenceu. O terreno havia sido dado em pagamento de dívida de R$ 10 milhões, contraída pela Constran no Crefisul no início dos anos 90. Essa avaliação, feita há uma década, é outro indício de que o desconto foi indevido, na opinião do BC.
"A interpretação do Banco Central sobre esse negócio está errada e eu estou cheio desses "Sherlock Holmes'", disse Olacyr de Moraes à Folha. A comparação com o famoso inspetor dos livros de Conan Doyle parece digna da ironia.
A diretoria do BC sustenta que desconhecia o negócio. "Esses documentos não existiam no Crefisul, não eram do conhecimento do liquidante anterior nem do atual. Só soubemos há poucos meses por uma denúncia anônima", informou o consultor Marco Antônio Belém, da Diretoria de Finanças Públicas do BC.
Não há evidência de que o atual liquidante, Ney Myiamoto, soubesse da transação. Mas seu antecessor, Flávio de Souza Siqueira, não só conhecia o caso como assinou carta em 4 de maio de 2000, obtida pela Folha, dizendo que nada tinha a se opor à venda.
Conforme revelou a Folha há duas semanas, Flávio Siqueira é alvo da CPI do Proer, que abriu investigação sobre irregularidades cometidas por liquidantes no Bamerindus. Antes de assumir o Crefisul, Siqueira respondeu pela liquidação do banco paranaense entre 1997 e 1999, período em que seu patrimônio pessoal subiu de R$ 769 mil para R$ 1,757 milhão.
A direção do BC decidiu inspecionar no Crefisul no próximo mês. Vai mandar para São Paulo fiscais para checarem procedimentos e conferirem negócios recentes firmados pelos liquidantes, inclusive o do terreno de Mauá.

Contradição com Justiça
O caso do Crefisul revela mais uma contradição entre práticas do BC e da Justiça que está se opondo à venda do terreno. Decisão tomada no fim do ano passado pelo Conselho Superior do Tribunal de Justiça de SP diz que o Crefisul já estava em liquidação quando se tentou registrar a transação e, por isso, nega o reconhecimento da venda. A Stenobras realmente só procurou o cartório de imóveis de Mauá para legalizar a operação em 2001. A construtora alega que havia um contrato de gaveta registrado no cartório de títulos e documentos de Mauá. Mas, segundo especialistas, esse tipo de contrato particular não tem valor neste caso.
Apesar do embargo judicial, o BC não considera garantida a reversão do negócio e, portanto, decidiu cobrar dos ex-diretores do Crefisul que assinaram a transação indenização pelo prejuízo causado e enviar ao Ministério Público Federal denúncia contra eles. Procurados pela Folha, os ex-diretores do Crefisul que assinaram os contratos de venda não quiseram se pronunciar. O advogado do banco, Nelson Felmanas, afirmou desconhecer o caso.
Quando fechou as portas das 13 agências do Crefisul, o BC tinha a receber R$ 130 milhões do banco controlado pelo empresário Ricardo Mansur, que também era dono das lojas Mappin e Mesbla.
Com a venda do terreno de Mauá, o desconto de R$ 13 milhões vai se transformar em mais uma dívida do Crefisul com o BC. Como disse uma vez o presidente do BC, Armínio Fraga, o dinheiro para pagar essa conta vai sair "do meu , do seu, do nosso".
(WLADIMIR GRAMACHO e ÉRICA FRAGA)



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