São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005

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LUÍS NASSIF

O senhor procurador

Mais desancada que Geni, personagem de Chico Buarque, em que pesem vários defeitos -abundante e repetitivamente mencionados-, a Constituição de 1988 marcou oficialmente a entrada do Brasil na modernidade. Não apenas por sua visão federativa -que sucessivos governos teimam em destruir- nem só pelos aspectos de defesa dos direitos individuais.
Enquanto sucessivos economistas destruíam a economia com seus planos mirabolantes e passavam por modernos nesse país de botocudos, a Constituinte definiu os direitos do consumidor, maior motor de modernização da produção brasileira, ao lado da abertura comercial. Consolidou a visão de defesa ambiental, cujo embrião remontava o início da década. Esse descuido ambiental, hoje em dia, aliás, é a maior ameaça ao crescimento da China. Institucionalizou a mais importante rede social da história, o Sistema Único de Saúde. Criou vinculações orçamentárias que permitiram os saltos no ensino básico e na saúde. Passou a dar tratamento de empresa nacional a multinacionais instaladas no país.
No plano do controle público, um dos grandes avanços da Constituição foi a reforma do Ministério Público, dotando-o de poderes até para fiscalizar a própria classe política.
Como todo poder emergente, da mesma maneira que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC nos anos 80 ou a imprensa nos anos 90, o MP passou pela fase da radicalização. O poder individual conferido a cada procurador acabou desvirtuado por um grupo restrito, mas estridente, que passou a cometer toda sorte de arbitrariedades e a falar em nome da corporação. Em parte, é verdade, para compensar a excessiva camaradagem de sucessivos procuradores-gerais para com o Executivo.
Criou-se um impasse terrível. De que maneira se poderiam coibir os abusos e o exibicionismo dessa minoria sem comprometer a independência do MP? Só havia um caminho, que era o de a própria corporação criar seus mecanismos internos de controle. E não apenas mecanismos legais mas a criação de uma cultura que pudesse, por si, coibir os abusos, fazendo a procuradora irresponsável, o procurador leviano ser malvisto pela própria categoria.
Até algum tempo atrás, parecia tarefa impossível. A construção de um país se faz tarefa a tarefa, encontrando o estadista capaz de criar as bases que consertem o errado e se perpetuem pelos tempos afora.
A refundação do MP ocorreu a partir de 2003, com a indicação do procurador Claudio Fontelles para o cargo. Com seus modos mansos, sua ascendência silenciosa e sólida sobre seus pares, sua independência em relação ao Executivo, Fontelles se converteu no estadista que o MP necessitava, até para sua sobrevivência institucional. Sua independência em relação ao poder e ao corporativismo, seu compromisso em relação às responsabilidades institucionais do cargo marcarão esses tempos de consolidação democrática.
Em julho, terminado seu mandato, provavelmente Fontelles sairá tão discretamente como entrou. Mas seu nome estará definitivamente inscrito no templo dos construtores da nacionalidade.


E-mail - Luisnassif@uol.com.br

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