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LUÍS NASSIF
O senhor procurador
Mais desancada que Geni, personagem de Chico
Buarque, em que pesem vários
defeitos -abundante e repetitivamente mencionados-, a
Constituição de 1988 marcou
oficialmente a entrada do Brasil
na modernidade. Não apenas
por sua visão federativa -que
sucessivos governos teimam em
destruir- nem só pelos aspectos de defesa dos direitos individuais.
Enquanto sucessivos economistas destruíam a economia
com seus planos mirabolantes e
passavam por modernos nesse
país de botocudos, a Constituinte definiu os direitos do consumidor, maior motor de modernização da produção brasileira,
ao lado da abertura comercial.
Consolidou a visão de defesa
ambiental, cujo embrião remontava o início da década. Esse descuido ambiental, hoje em
dia, aliás, é a maior ameaça ao
crescimento da China. Institucionalizou a mais importante
rede social da história, o Sistema Único de Saúde. Criou vinculações orçamentárias que
permitiram os saltos no ensino
básico e na saúde. Passou a dar
tratamento de empresa nacional a multinacionais instaladas
no país.
No plano do controle público,
um dos grandes avanços da
Constituição foi a reforma do
Ministério Público, dotando-o
de poderes até para fiscalizar a
própria classe política.
Como todo poder emergente,
da mesma maneira que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
nos anos 80 ou a imprensa nos
anos 90, o MP passou pela fase
da radicalização. O poder individual conferido a cada procurador acabou desvirtuado por
um grupo restrito, mas estridente, que passou a cometer toda
sorte de arbitrariedades e a falar em nome da corporação. Em
parte, é verdade, para compensar a excessiva camaradagem
de sucessivos procuradores-gerais para com o Executivo.
Criou-se um impasse terrível.
De que maneira se poderiam
coibir os abusos e o exibicionismo dessa minoria sem comprometer a independência do MP?
Só havia um caminho, que era o
de a própria corporação criar
seus mecanismos internos de
controle. E não apenas mecanismos legais mas a criação de
uma cultura que pudesse, por si,
coibir os abusos, fazendo a procuradora irresponsável, o procurador leviano ser malvisto pela própria categoria.
Até algum tempo atrás, parecia tarefa impossível. A construção de um país se faz tarefa a tarefa, encontrando o estadista
capaz de criar as bases que consertem o errado e se perpetuem
pelos tempos afora.
A refundação do MP ocorreu
a partir de 2003, com a indicação do procurador Claudio
Fontelles para o cargo. Com
seus modos mansos, sua ascendência silenciosa e sólida sobre
seus pares, sua independência
em relação ao Executivo, Fontelles se converteu no estadista
que o MP necessitava, até para
sua sobrevivência institucional.
Sua independência em relação
ao poder e ao corporativismo,
seu compromisso em relação às
responsabilidades institucionais do cargo marcarão esses
tempos de consolidação democrática.
Em julho, terminado seu
mandato, provavelmente Fontelles sairá tão discretamente
como entrou. Mas seu nome estará definitivamente inscrito no
templo dos construtores da nacionalidade.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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