São Paulo, Quarta-feira, 17 de Fevereiro de 1999
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RISCOS DO PODER
Como outros membros da equipe, Armínio Fraga se vê obrigado a produzir "prova diabólica" da inocência
Ligações perigosas constrangem o governo

Ennio Brauns - 02.abr.98/Folha Imagem
Paul Krugmann, do MIT, que publicou artigo sobre operações de Soros


ELIO GASPARI
Colunista da Folha

Em 1996, quando o professor Rudiger Dornbusch tocou a primeira corneta da sobrevalorização do real, o economista Armínio Fraga, operador da casa Soros, em Nova York, atacou-o:
"Dornbusch delirou, mas, se me perguntarem se o alarme foi positivo, eu diria que sim. Os brasileiros têm uma cultura de acomodação e precisam de um alerta de vez em quando".
Seja lá o que for essa "cultura de acomodação", Fraga, futuro presidente do Banco Central, e Fernando Henrique Cardoso, da República, tornaram-se personagens de um episódio penoso. Ele não lhes teria acontecido se tivessem ouvido as vozes de alerta do Congresso, do empresariado e até mesmo de uma parte da universidade.
Depois de quatro anos de relações perigosas com banqueiros, o governo viu-se diante de uma situação constrangedora, com o nome de um funcionário de seu primeiro escalão associado, por uma renomada personalidade, a manobras de especulação financeira.
Na quinta-feira da semana passada, o professor Paul Krugman, um dos mais ouvidos economistas do mundo, acusou o investidor George Soros de ter ganho dinheiro à custa da boataria que antecedeu a sexta-feira, 29 de janeiro. Nela, o dólar bateu a cotação de R$ 2,10. Segundo Krugman, Soros comprou títulos da dívida externa brasileira na baixa provocada pelos boatos de que o governo calotearia sua dívida interna. Vendeu-os na alta, uma semana depois, quando se viu que o governo não fizera confisco algum. Quem jogou nessas cartas ganhou, em apenas sete dias, pelo menos 5% do capital investido. Soros teria feito isso baseando-se em informações privilegiadas que Fraga recebera do próprio governo.
Tanto Fraga quanto o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Pedro Parente, têm insistido em declarar nula a questão, sob o argumento de que ele só foi sondado e convidado para assumir a presidência do Banco Central nos dias 30 (sábado) e 31 (domingo). Como a especulação aconteceu entre os dias 25 (quando o boato começou a correr) e 29 (quando se deu o pânico, mas não se deu a moratória), Krugman estaria com o calendário errado.
Não é disso que Krugman está falando. A data da escolha de Fraga para o Banco Central é irrelevante. O professor sustenta que ele sabia, antes do dia 29, que não haveria moratória. Nesse aspecto, está certo. Fraga estava em Brasília, hospedado na casa do ministro Pedro Malan. Na quarta-feira, dia 27, jantou no Palácio da Alvorada com o presidente Fernando Henrique Cardoso, Malan, André Lara Resende e Francisco Lopes. Conversaram durante quatro horas. Falaram de economia, da estratégia defensiva do governo contra os especuladores, de câmbio e de dívida.
No dia seguinte, Fraga tomou café da manhã com o presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães, e dele ouviu conselhos políticos para que retornasse ao Brasil. Soube no Alvorada o que era do conhecimento geral: não haveria moratória.
Até a hora de sua partida para Nova York, na noite de sexta-feira, Fraga sabia que poderia vir para Brasília, mas estava certo de que isso não aconteceria nesse semestre. Não tinha convite para a presidência do Banco Central, nem o seu ocupante, Francisco Lopes, tinha qualquer sinal de que poderia ser substituído. A troca foi decidida pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, no sábado. O ministro Malan, mesmo simpatizando com a idéia de afastar Lopes, preferia esperar algum tempo. Foi o presidente quem decidiu pela solução imediata. (Lopes vinha se desentendendo em questões de forma e conteúdo com o FMI. Era adversário da elevação dos juros.)
Para que a acusação de Krugman fosse verdadeira, seria necessário provar que Armínio Fraga passou a Soros as informações privilegiadas que obteve. Disso não há vestígio. O professor americano não menciona um só elemento da manobra financeira que o investidor teria feito.
Também não se conhece um só ato ou palavra de George Soros estimulando a boataria. Sabe-se, contudo, que um boletim da Chase Securities, publicado em Nova York na sexta-feira, dia 22, propunha claramente o calote, espichando a dívida interna com papéis de 5 a 10 anos de prazo e juros de 6% ao ano.
Em 1995 um outro presidente do Banco Central, Pérsio Arida, quase caiu porque, sabendo da iminente desvalorização do real, passou algumas horas na fazenda do banqueiro Fernão Bracher, seu amigo pessoal. Há poucos meses, o presidente do BNDES e o ministro das Comunicações tiveram que deixar o governo depois que tiveram seus telefones grampeados.
Passados três anos, nem mesmo os acusadores de Arida sustentam que o banco de Bracher (BBA) praticou, comprovadamente, manipulações de câmbio. Passados poucos meses, nem mesmo os adversários de Mendonça e Lara apontam um trecho das fitas nas quais estejam estimulando atos ilícitos. Arida já se arrependeu de ter passado pela fazenda do amigo e, provavelmente, os outros dois prefeririam nunca ter falado ao telefone. Nos dois casos, como no de Fraga, a questão esteve nas relações perigosas, nas quais atropelam-se aparências e conflitos de interesse.
Antes do jantar do dia 27, Fraga já se sentara à mesa do Alvorada em março de 1997, para almoço. Nele, discutiu-se o déficit comercial. Ao final do encontro, os comensais, entre os quais estava o investidor Ibrahim Eris, fizeram um pacto de silêncio. Como uma casa de investimentos não é um instituto de pesquisas, o conhecimento que um operador adquire em conversas desse nível é, no mínimo, uma vantagem em relação aos seus concorrentes. Fraga, por exemplo, viria a cuidar dos interesses de Soros na Companhia Vale do Rio Doce, da qual é acionista.
Por conta de almoços e conversas impróprias, o presidente Fernando Henrique, que interveio no banco da nora (Nacional), no de um ex-ministro (Bamerindus) e no de um admirador que ajudou a pagar a festa de sua primeira posse (Econômico), acaba vendo a imagem de seu governo tisnada.
Recentemente, Fraga foi listado como um dos operadores mais bem pagos de Nova York. Quem aplicou US$ 100 mil em 1993 no fundo que ele dirigia tem hoje US$ 242 mil (rentabilidade inferior à de um CDI brasileiro antes da desvalorização). Ele vai trocar os campos de golfe de Nova Jersey pelos gramados de Brasília, carregando uma acusação que Krugman não provou e que o coloca na injusta condição de produzir a chamada "prova diabólica", pela qual a pessoa se vê obrigada a demonstrar que não fez aquilo de que é acusada. Teria sido melhor se naquela quarta-feira Armínio Fraga tivesse jantado no hotel.


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